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Ciência em Dia
Graças e desgraças de Bill Joy
The New York Times - 15.jun.2003
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Anúncio da Audi nos EUA retrata Bill Joy |
Marcelo Leite
editor de Ciência
O rosto grafitado nesta página pertence ao camaleão Bill Joy, talvez o
mais famoso dos "digeratti" (algo como
"literatos digitais"). Aparece estampado
numa série de anúncios publicados em
revistas norte-americanas, na qual figuram ainda outras sete personalidades tidas como inovadoras, entre elas a cantora K.D. Lang e o arquiteto Daniel Libeskind. O de Joy é o único que surge coberto de signos, segundo reportagem do jornal "The New York Times".
Decerto não foi só por ter inventado a
linguagem de programação de computadores Java, nem só por ser o pesquisador-chefe da empresa Sun Microsystems, que Joy despontou entre os eleitos.
Não seria muito arriscado dizer que isso
deve ter algo a ver com sua face mais famosa, a do arauto de um apocalipse nanodigital que lançou a profecia da meleca cinza ("gray goo") num falado artigo
de abril de 2000 para a revista "Wired"
(www.wired.com/wired/archive/8.04/joy_pr.html), "Por que o Futuro Não
Precisa de Nós".
Apesar de militar profissionalmente
no campo da alta tecnologia, Joy declara-se alarmado com seus efeitos não-pretendidos. Tira seu sono, por exemplo, a
perspectiva de nanotecnólogos criarem
robôs minúsculos, na escala do milionésimo de milímetro, para realizar trabalhos moleculares, como o "reparo" de tecidos humanos com defeito. Se esses nanorrobôs forem capazes de se reproduzir
por conta própria, e calhar de escaparem
ao controle humano, raciocina Joy, cobririam em pouco tempo a superfície da
Terra com uma pasta cinza de artefatos
invisíveis para o olho humano.
Note que a palavra "goo" está bem destacada na pintura facial, ainda que não
tanto quanto "Java" ou (Carl?) "Sagan".
Logo à esquerda aparece a sigla "GNR",
que no idioma particular de Joy significa
"genética, nanotecnologia, robótica", a
tríade do apocalipse possível. Para o infoprofeta, as três tecnologias preocupam
porque, de um lado, envolvem a propriedade perturbadora da auto-replicação e,
de outro, não se encontram sob controle
governamental -diferentemente da
tríade maléfica anterior, nuclear, biológica e química ("NBC", em inglês).
À esquerda de "GNR", quase invisível,
está "KMD" ("knowledge-enabled mass
destruction", ou destruição em massa
com base no conhecimento). Para alguém que vive dele, uma frase e tanto.
Pelo que disse Joy ao "Times", a idéia
dos grafites autobiográficos e sua execução foram da fotógrafa Peggy Sirota, não
suas. Emprestou-lhes a cara, porém, e o
fato de que enfeitem uma peça publicitária do carro de luxo A8 pode ser lido, nas
entrelinhas, como um efeito não-pretendido de auto-ironia.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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