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Proteína duas-caras reduz defesa humana contra HIV
Molécula que no passado protegia hominídeos de infecções hoje limita resistência
Descoberta ocorreu por
causa de uma diferença
marcante entre os genomas
humano e do chimpanzé,
que não desenvolve Aids
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ela virou a casaca durante a
evolução, mas hoje ajuda os
cientistas a entender melhor
como funciona o sistema imunológico humano. Uma proteína de defesa, que há 4 milhões
de anos protegeu os seres humanos de várias infecções, hoje
mudou de lado. Os pesquisadores descobriram que ela é uma
das responsáveis pela maior
vulnerabilidade do homem ao
vírus HIV, causador da Aids.
Para chegar até a molécula,
os cientistas do Centro Fred
Hutchinson de Pesquisa do
Câncer (EUA) seguiram uma
pista só revelada há dois anos,
com o fim do seqüenciamento
do genoma do chimpanzé.
"Nós decidimos reconstruir
um vírus de 4 milhões de anos,
exatamente porque a grande
diferença entre os genomas do
homem e do chimpanzé estava
relacionada com ele", disse à
Folha o principal autor do trabalho, Michael Emerman.
Dupla personalidade
O chamado retrovírus endógeno Pan troglodytes, ou
PtERV1, deixou 130 cópias no
genoma do chimpanzé e nenhuma no humano. Isso significa, segundo Emerman, que há
milhões de anos esses macacos
sofriam infecções causadas pelo antigo vírus e o ser humano
não. O PtERV1 pertence à mesma família do HIV.
Para testar essa hipótese, os
pesquisadores decidiram reconstruir um pequeno pedaço
do maquinário genético do vírus antigo e ver como ele interagia com as células humanas.
Dito e feito: ainda hoje, o antigo vírus é barrado pelo sistema imunológico humano, mais
precisamente pela proteína
duas-caras, batizada TRIM5a.
"O maior obstáculo mesmo foi
reconstruir um vírus de 4 milhões de anos", disse Emerman, que se considera militante de um novo ramo da ciência,
a paleovirologia.
Proteção obsoleta
A mesma molécula útil no
passado, quando testada com
vírus modernos, como o HIV,
mostrou que não é tão eficiente
assim para o ser humano
-muito pelo contrário.
"No final, essa resistência ao
antigo vírus direcionou a evolução humana para uma maior
suscetibilidade ao HIV", explica o pesquisador americano.
Tudo indica, segundo o cientista, que a proteína estudada por
ele é importante, mas ela consegue lutar apenas contra um
tipo de vírus por vez.
De acordo com Emerman,
essa arqueologia viral promete
revelar novas relações evolutivas importantes nos próximos
anos. "Existem vários outros tipos de vírus com essas mesmas
características que podem ser
encontrados nos genomas dos
primatas", disse.
Como mostrou esse primeiro
estudo, publicado na revista
"Science", a resistência e a sensibilidade humana aos diversos
tipos de vírus são diretamente
direcionadas por grupos de
proteínas e de genes. "Eu suspeito que isso é cada vez mais
verdade. Precisamos apenas
olhar mais atentamente para
isso", afirma Emerman.
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