São Paulo, sábado, 22 de agosto de 2009

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Célula-tronco pode "domar" sistema imunológico

Grupo espanhol usa células adultas para aumentar eficácia de transplante

Técnica elevou em 30% o sucesso do procedimento; substâncias produzidas por células-tronco controlam mecanismo de rejeição


Divulgação
Células-tronco mesenquimais, usadas em estudo contra rejeição de transplante de medula

REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDOIA (SP)

As células-tronco fascinam os cientistas por sua capacidade de se transformar em vários tipos celulares, mas um outro papel desempenhado por elas pode ser tão importante quanto esse: o de turma do deixa-disso. Elas são capazes de controlar a atuação do sistema de defesa do corpo, o que pode evitar a rejeição a transplantes e combater doenças em que há uma guerra civil no organismo.
Ainda se sabe pouco sobre esse outro lado das células-tronco. Mas dados apresentados pelo espanhol José Pérez-Simón, do Hospital Universitário de Salamanca, durante a reunião anual da Fesbe (Federação de Sociedades de Biologia Experimental) em Águas de Lindoia (SP), mostram que elas podem aumentar bastante as chances de sobrevivência a um transplante de medula, por exemplo.
Ao mesmo tempo, há indicações de que tais células podem "amansar" doenças autoimunes, aquelas, que envolvem um ataque das defesas do organismo contra ele próprio. "Tenho certeza de que isso é possível, embora ainda precisemos de muito estudo", disse Pérez-Simón à Folha. Algumas dessas doenças são comuns e difíceis de controlar, como a diabetes tipo 1, a artrite reumatoide e a esclerose múltipla.
Pérez-Simón estuda as chamadas células-tronco mesenquimais, presentes, por exemplo, na medula óssea de humanos adultos. Justamente por terem essa origem pouco controversa -basta uma punção simples nos ossos da bacia para obtê-las-, ao contrário das células-tronco de embriões, elas estão entre as que mais foram testadas em pessoas até hoje.

Versáteis e sensatas
Sabe-se que as células-tronco mesenquimais podem dar origem a uma variedade grande, embora não ilimitada, de tecidos. Os principais são as células do sangue, os ossos, as cartilagens e os músculos. Além disso, substâncias produzidas por elas ajudam a controlar os linfócitos T e B, células importantes do sistema de defesa.
"Em muitos casos, elas impedem a proliferação dos linfócitos. Em outros, impedem que eles fiquem ativos, e também podem permitir que eles continuem viáveis. O efeito depende da situação específica dos linfócitos", diz o cientista espanhol.
Dessa constatação à ideia de testar essas células-tronco em transplantes de medula óssea não foi um salto muito grande. O transplante é um dos recursos terapêuticos em doenças como a leucemia e o mieloma múltiplo, em que as células-tronco da medula perdem a capacidade de dar origem a células do sangue de forma correta.
"O transplante é provavelmente o mais complexo que a medicina realiza hoje quando se considera o sistema imune", diz Pérez-Simón. "Ao mesmo tempo, você quer que algumas células do doador reconstruam a medula do transplantado e que os linfócitos T doados também destruam o que sobrou das células "ruins" da medula original -sem atacar demais o resto do organismo do doente."
Essa complexidade está ligada à baixa taxa de sucesso desses transplantes -apenas 40% têm êxito. Mas, com a ajuda de células-tronco mesenquimais, o grupo de Pérez-Simón conseguiu elevar esse índice para 70%, provavelmente porque elas evitam que os linfócitos do doador saiam do controle.

Diabetes
Isso talvez explique o sucesso de células-tronco da medula - verificado em testes feitos também no Brasil, pela equipe do pesquisador Júlio Voltarelli, da Universidade de São Paulo -, no combate ao diabetes tipo 1, doença autoimune em que o organismo do doente ataca as células produtoras de insulina.
"A questão aqui é entendermos como este mecanismo funciona. Talvez mais de uma aplicação de células-tronco mesenquimais seja necessária, porque depois de um tempo elas somem do organismo que as recebe", diz o cientista.


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