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POLÍTICA CIENTÍFICA
Governo e pesquisadores divergem quanto à representação de ONGs em comissão de biossegurança
Debate questiona composição da CTNBio
DA REPORTAGEM LOCAL
O debate realizado quinta-feira passada na Folha sobre
o projeto de lei da
biossegurança, que
reuniu representantes do governo e da comunidade científica, deixou duas coisas
claras: a legislação não pode ser
um entrave à pesquisa, e os estudos devem ter limites estabelecidos. A discórdia reside na escolha
de quem deveria estabelecê-los.
Participaram do debate no auditório do jornal Carlos Alberto
Moreira, diretor do Instituto de
Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, João Paulo Ribeiro
Capobianco, secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio
Ambiente, José Fernando Perez,
diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo), e Laymert
Garcia dos Santos, professor titular de sociologia da Unicamp. O
mediador foi o jornalista Ricardo
Bonalume Neto, da Folha.
No entender de Moreira e Perez,
o projeto de lei da biossegurança
proposto pelo governo Lula distorce a função da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), ao permitir que pessoas indicadas por entidades ambientalistas e institutos de defesa
do consumidor participem da
formulação de seus laudos.
A principal atribuição da
CTNBio é emitir pareceres sobre
o risco envolvido em pesquisas
que lidam com organismos geneticamente modificados (OGMs),
ou na sua liberação no ambiente
natural. Os OGMs mais polêmicos são os transgênicos, seres vivos que recebem genes de outra
espécie. As regras sobre OGMs no
Brasil foram fixadas na Lei de
Biossegurança, de 1995, modificada no projeto do Executivo que
está em exame no Congresso.
"O essencial é você ter um órgão
técnico capaz de falar da questão
de risco. Se você dilui a comissão,
politiza demais, isso é um problema", disse Moreira. Perez concordou: "A CTNBio tem de ser um
órgão técnico", disse. "[O projeto
de lei] é inibidor da pesquisa,
transforma um órgão técnico em
político. Não podemos ter uma legislação que [nos] dá um tiro no
pé." O diretor da Fapesp vê na
biotecnologia uma chance para o
Brasil se projetar internacionalmente em pesquisa de ponta.
Como representante do governo, Capobianco defendeu o novo
projeto, dizendo que ele não tira
da CTNBio seu aspecto técnico.
Segundo ele, os integrantes da comissão teriam de ser indicados
por organizações não-governamentais, segundo o projeto de lei
do Executivo, entre pessoas com
formação científica e destacada
atuação profissional no setor.
"O projeto de lei não desfigura
em nenhum momento a comissão técnica. O que os cientistas se
opõem é a que alguma instituição
não-governamental aponte alguém com esse perfil."
Apresentando um ponto de vista das humanidades sobre a questão, Laymert Garcia dos Santos
afirmou que muito se fala sobre os
benefícios potenciais da biotecnologia, mas pouco sobre os riscos.
Partindo dessa perspectiva, remeteu para o caso extremo -o
acidente nuclear em Chernobyl-
que marcou a emergência da chamada sociologia do risco. "Ali ficou para trás a idéia de que a tecnologia só traz positividades."
Sua apresentação, por sua vez,
despertou a reação de Moreira.
"Estamos presenciando a maior
agressão à ciência desde Galileu. É
um absurdo comparar a biotecnologia com Chernobyl."
Já Capobianco elogiou a intervenção do sociólogo. "O Laymert
vai exatamente ao ponto: a questão do risco." Apesar disso, o representante do governo procurou
destacar as afinidades entre os debatedores: "Pelo visto, estamos
muito mais próximos de um consenso do que eu imaginava. Acho
que todos nós concordamos que a
pesquisa tem de ser facilitada."
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