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São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Governo e pesquisadores divergem quanto à representação de ONGs em comissão de biossegurança

Debate questiona composição da CTNBio

DA REPORTAGEM LOCAL

O debate realizado quinta-feira passada na Folha sobre o projeto de lei da biossegurança, que reuniu representantes do governo e da comunidade científica, deixou duas coisas claras: a legislação não pode ser um entrave à pesquisa, e os estudos devem ter limites estabelecidos. A discórdia reside na escolha de quem deveria estabelecê-los.
Participaram do debate no auditório do jornal Carlos Alberto Moreira, diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, João Paulo Ribeiro Capobianco, secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), e Laymert Garcia dos Santos, professor titular de sociologia da Unicamp. O mediador foi o jornalista Ricardo Bonalume Neto, da Folha.
No entender de Moreira e Perez, o projeto de lei da biossegurança proposto pelo governo Lula distorce a função da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), ao permitir que pessoas indicadas por entidades ambientalistas e institutos de defesa do consumidor participem da formulação de seus laudos.
A principal atribuição da CTNBio é emitir pareceres sobre o risco envolvido em pesquisas que lidam com organismos geneticamente modificados (OGMs), ou na sua liberação no ambiente natural. Os OGMs mais polêmicos são os transgênicos, seres vivos que recebem genes de outra espécie. As regras sobre OGMs no Brasil foram fixadas na Lei de Biossegurança, de 1995, modificada no projeto do Executivo que está em exame no Congresso.
"O essencial é você ter um órgão técnico capaz de falar da questão de risco. Se você dilui a comissão, politiza demais, isso é um problema", disse Moreira. Perez concordou: "A CTNBio tem de ser um órgão técnico", disse. "[O projeto de lei] é inibidor da pesquisa, transforma um órgão técnico em político. Não podemos ter uma legislação que [nos] dá um tiro no pé." O diretor da Fapesp vê na biotecnologia uma chance para o Brasil se projetar internacionalmente em pesquisa de ponta.
Como representante do governo, Capobianco defendeu o novo projeto, dizendo que ele não tira da CTNBio seu aspecto técnico. Segundo ele, os integrantes da comissão teriam de ser indicados por organizações não-governamentais, segundo o projeto de lei do Executivo, entre pessoas com formação científica e destacada atuação profissional no setor.
"O projeto de lei não desfigura em nenhum momento a comissão técnica. O que os cientistas se opõem é a que alguma instituição não-governamental aponte alguém com esse perfil."
Apresentando um ponto de vista das humanidades sobre a questão, Laymert Garcia dos Santos afirmou que muito se fala sobre os benefícios potenciais da biotecnologia, mas pouco sobre os riscos.
Partindo dessa perspectiva, remeteu para o caso extremo -o acidente nuclear em Chernobyl- que marcou a emergência da chamada sociologia do risco. "Ali ficou para trás a idéia de que a tecnologia só traz positividades."
Sua apresentação, por sua vez, despertou a reação de Moreira. "Estamos presenciando a maior agressão à ciência desde Galileu. É um absurdo comparar a biotecnologia com Chernobyl."
Já Capobianco elogiou a intervenção do sociólogo. "O Laymert vai exatamente ao ponto: a questão do risco." Apesar disso, o representante do governo procurou destacar as afinidades entre os debatedores: "Pelo visto, estamos muito mais próximos de um consenso do que eu imaginava. Acho que todos nós concordamos que a pesquisa tem de ser facilitada."



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