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EVOLUÇÃO
Cidade da Pensilvânia quer aulas sobre design inteligente, idéia oposta à teoria da seleção natural de Charles Darwin
Escola dos EUA adota manual criacionista
ANDREW BUNCOMBE
DO "INDEPENDENT"
A paisagem ao redor da cidade
americana de Dover, na Pensilvânia, foi criada em apenas seis dias?
Sim, foi, segundo as crenças criacionistas de boa parte dos 1.800
habitantes da cidade, que não
gostam de perder tempo com a
teoria da evolução de Charles
Darwin. E tais crenças estão para
ganhar momento.
No mês que vem, a escola secundária da cidade será a primeira nos EUA em gerações a ensinar
uma forma de criacionismo como
parte do currículo. Mas a polêmica que dividiu Dover não é apenas
picuinha local, mas um debate
que acontece em todo o país.
Salas de aula, tribunais, lugares
públicos e até o juramento das autoridades ao assumir determinados cargos têm sido palco de uma
disputa sobre se o cristianismo
deveria ser incorporado oficialmente à vida civil ou se deveria
haver a separação significativa entre igreja e Estado. E, agora que o
presidente George W. Bush, um
evangélico "renascido", inicia seu
segundo mandato -com o auxílio de eleitores religiosos-, a briga promete esquentar ainda mais.
No centro do furacão está Dover, onde foi lançada uma batalha
legal que poderá vir a custar muito aos contribuintes.
"Eu fiquei surpreso. Não pensei
que fosse chegar nesse ponto",
disse Steven Sough, um dos 11
pais que na semana passada entraram com uma ação, ao lado da
União Americana de Liberdade
Civil (Aclu, na sigla em inglês),
para tentar prevenir a mudança
no currículo pois feriria a Constituição dos EUA. "Eu tenho uma
filha, Ashley, que completará 14
anos. Eu quero que ela aprenda
ciência na escola e religião em casa comigo ou na igreja."
A disputa em Dover começou
em outubro, quando os membros
eleitos do comitê escolar do distrito aprovaram, por seis votos a
três, que o curso de biologia para
adolescentes de 15 anos deveria
incluir uma teoria conhecida como design inteligente.
Seus defensores afirmam que a
vida é tão complexa que sua origem só poderia ser dirigida por
um ator sobrenatural. O Instituto
da Descoberta, baseado em Seattle e porta-voz da idéia, diz que
"certas características do Universo e dos seres vivos são melhor explicadas por uma causa inteligente, não por um processo indireto
como a seleção natural".
Além de determinar que os alunos terão aulas sobre design inteligente e "serão avisados sobre os
buracos/problemas da teoria de
Darwin", o comitê escolar recebeu 60 cópias de um controverso
livro de biologia, "Sobre Pandas e
Gente". Cópias da obra, que é crítica à seleção natural de Darwin,
foram colocadas nas salas de aula
para os alunos consultarem.
Após uma reunião do grupo em
18 de outubro, dois membros, Carol e Jeff Brown, pediram afastamento em protesto. Cristão, o casal afirma que a crença religiosa
não tem espaço na ciência. "Esse
país foi fundado em cima da premissa da liberdade de seguir ou
não uma religião", disse Carol.
Sob a superfície
A ação acusa o comitê de ferir a
primeira emenda da Constituição
americana, que proíbe o estabelecimento de uma religião oficial.
Na ação, a Aclu argumenta que
"o design inteligente é um argumento ou asserção não-científico,
feito em oposição à teoria científica da evolução". Também afirma
que, em 1987, a Suprema Corte
dos EUA determinou que o criacionismo era uma crença religiosa
que não poderia ser ensinada ao
lado da evolução.
O comitê escolar insiste que não
tenta forçar a entrada da religião
na sala de aula, mas tornar disponíveis as informações sobre o
criacionismo. "Tudo o que desejo
é mostrar tudo o que as crianças
poderiam aprender. É o nosso
trabalho", disse a vice-presidente
o grupo, Heather Geesey.
É bastante claro que, sob o argumento acadêmico a respeito das
fraquezas e virtudes do darwinismo, o debate que toma Dover, assim como em outros locais dos
EUA, é sobre duas visões de mundo fundamentalmente diferentes.
Um lado diz que os Estados Unidos têm se separado por tempo
demais de suas tradições cristãs,
enquanto o outro lado diz que
uma das maiores tradições do
país é justamente a separação nítida entre igreja e Estado.
Nesta semana, o comitê escolar
vai se reunir com advogados para
decidir se leva adiante as mudanças no currículo e se opõe à ação
judicial. A decisão será cuidadosamente avaliada não apenas pelos moradores de Dover, mas por
todos os comitês escolares espalhados pelo país que consideram
tomar medidas semelhantes.
Em Grantsburg, Wisconsin, por
exemplo, um comitê revisou o
currículo para ensinar "modelos
científicos diversos de teorias da
origem da vida", uma vez que
apenas "a controvérsia que cerca
a evolução" era demonstrada.
Propostas similares foram analisadas neste ano em Maryland,
Missouri, Mississipi e Oklahoma.
Na Geórgia, no Condado de
Cobb, livros escolares possuem
uma tarja onde se lê "evolução é
uma teoria, não um fato".
Se pesquisas recentes estiverem
corretas, o movimento tem apoio.
Um levantamento realizado no
último mês pelo Instituto Gallup
sugere que 45% dos americanos
crêem que os humanos foram
criados por Deus, em sua forma
atual, nos últimos 10 mil anos.
O que os estudantes pensam é
menos claro. Melissa Owen, 16,
acredita que a mudança deveria
acontecer apenas nas disciplinas
que fossem optativas, não nas
obrigatórias. Ela confirma que todos conversam sobre o assunto.
"Está muito frio hoje e não há
aquecimento", disse. "As pessoas
brincam que a escola economiza
para pagar o processo."
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