São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

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EVOLUÇÃO

Cidade da Pensilvânia quer aulas sobre design inteligente, idéia oposta à teoria da seleção natural de Charles Darwin

Escola dos EUA adota manual criacionista

ANDREW BUNCOMBE
DO "INDEPENDENT"

A paisagem ao redor da cidade americana de Dover, na Pensilvânia, foi criada em apenas seis dias? Sim, foi, segundo as crenças criacionistas de boa parte dos 1.800 habitantes da cidade, que não gostam de perder tempo com a teoria da evolução de Charles Darwin. E tais crenças estão para ganhar momento.
No mês que vem, a escola secundária da cidade será a primeira nos EUA em gerações a ensinar uma forma de criacionismo como parte do currículo. Mas a polêmica que dividiu Dover não é apenas picuinha local, mas um debate que acontece em todo o país.
Salas de aula, tribunais, lugares públicos e até o juramento das autoridades ao assumir determinados cargos têm sido palco de uma disputa sobre se o cristianismo deveria ser incorporado oficialmente à vida civil ou se deveria haver a separação significativa entre igreja e Estado. E, agora que o presidente George W. Bush, um evangélico "renascido", inicia seu segundo mandato -com o auxílio de eleitores religiosos-, a briga promete esquentar ainda mais.
No centro do furacão está Dover, onde foi lançada uma batalha legal que poderá vir a custar muito aos contribuintes.
"Eu fiquei surpreso. Não pensei que fosse chegar nesse ponto", disse Steven Sough, um dos 11 pais que na semana passada entraram com uma ação, ao lado da União Americana de Liberdade Civil (Aclu, na sigla em inglês), para tentar prevenir a mudança no currículo pois feriria a Constituição dos EUA. "Eu tenho uma filha, Ashley, que completará 14 anos. Eu quero que ela aprenda ciência na escola e religião em casa comigo ou na igreja."
A disputa em Dover começou em outubro, quando os membros eleitos do comitê escolar do distrito aprovaram, por seis votos a três, que o curso de biologia para adolescentes de 15 anos deveria incluir uma teoria conhecida como design inteligente.
Seus defensores afirmam que a vida é tão complexa que sua origem só poderia ser dirigida por um ator sobrenatural. O Instituto da Descoberta, baseado em Seattle e porta-voz da idéia, diz que "certas características do Universo e dos seres vivos são melhor explicadas por uma causa inteligente, não por um processo indireto como a seleção natural".
Além de determinar que os alunos terão aulas sobre design inteligente e "serão avisados sobre os buracos/problemas da teoria de Darwin", o comitê escolar recebeu 60 cópias de um controverso livro de biologia, "Sobre Pandas e Gente". Cópias da obra, que é crítica à seleção natural de Darwin, foram colocadas nas salas de aula para os alunos consultarem.
Após uma reunião do grupo em 18 de outubro, dois membros, Carol e Jeff Brown, pediram afastamento em protesto. Cristão, o casal afirma que a crença religiosa não tem espaço na ciência. "Esse país foi fundado em cima da premissa da liberdade de seguir ou não uma religião", disse Carol.

Sob a superfície
A ação acusa o comitê de ferir a primeira emenda da Constituição americana, que proíbe o estabelecimento de uma religião oficial.
Na ação, a Aclu argumenta que "o design inteligente é um argumento ou asserção não-científico, feito em oposição à teoria científica da evolução". Também afirma que, em 1987, a Suprema Corte dos EUA determinou que o criacionismo era uma crença religiosa que não poderia ser ensinada ao lado da evolução.
O comitê escolar insiste que não tenta forçar a entrada da religião na sala de aula, mas tornar disponíveis as informações sobre o criacionismo. "Tudo o que desejo é mostrar tudo o que as crianças poderiam aprender. É o nosso trabalho", disse a vice-presidente o grupo, Heather Geesey.
É bastante claro que, sob o argumento acadêmico a respeito das fraquezas e virtudes do darwinismo, o debate que toma Dover, assim como em outros locais dos EUA, é sobre duas visões de mundo fundamentalmente diferentes. Um lado diz que os Estados Unidos têm se separado por tempo demais de suas tradições cristãs, enquanto o outro lado diz que uma das maiores tradições do país é justamente a separação nítida entre igreja e Estado.
Nesta semana, o comitê escolar vai se reunir com advogados para decidir se leva adiante as mudanças no currículo e se opõe à ação judicial. A decisão será cuidadosamente avaliada não apenas pelos moradores de Dover, mas por todos os comitês escolares espalhados pelo país que consideram tomar medidas semelhantes.
Em Grantsburg, Wisconsin, por exemplo, um comitê revisou o currículo para ensinar "modelos científicos diversos de teorias da origem da vida", uma vez que apenas "a controvérsia que cerca a evolução" era demonstrada.
Propostas similares foram analisadas neste ano em Maryland, Missouri, Mississipi e Oklahoma. Na Geórgia, no Condado de Cobb, livros escolares possuem uma tarja onde se lê "evolução é uma teoria, não um fato".
Se pesquisas recentes estiverem corretas, o movimento tem apoio. Um levantamento realizado no último mês pelo Instituto Gallup sugere que 45% dos americanos crêem que os humanos foram criados por Deus, em sua forma atual, nos últimos 10 mil anos.
O que os estudantes pensam é menos claro. Melissa Owen, 16, acredita que a mudança deveria acontecer apenas nas disciplinas que fossem optativas, não nas obrigatórias. Ela confirma que todos conversam sobre o assunto. "Está muito frio hoje e não há aquecimento", disse. "As pessoas brincam que a escola economiza para pagar o processo."


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