São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005

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BIOLOGIA

O Aratinga pintoi, ou cacaué, mede 30 cm e vive na Amazônia; animal era confundido com filhote de outra ave

USP descobre nova espécie de periquito

Divulgação
O cacaué (acima, à esquerda) e a jandaia-sol, espécie com a qual era confundido antes da pesquisa


PEDRO BIONDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pelo visto, o Brasil ainda é a "terra dos papagaios", apelido dos primórdios do período colonial. As 82 espécies de psitacídeos (papagaios, araras e afins) do país acabam de ganhar um reforço: o Aratinga pintoi, nova espécie de periquito do baixo Amazonas.
A ave habita um enclave de vegetação aberta na floresta, mede cerca de 30 cm e é popularmente chamada de cacaué. Até aqui, os exemplares em coleções científicas eram confundidos com jovens de um parente próximo, a jandaia-sol (Aratinga solstitialis). A separação foi proposta por Luís Fábio Silveira, Flávio César de Lima e Elizabeth Höfling, do Departamento de Zoologia e do Museu de Zoologia da USP, em artigo publicado na revista especializada "The Auk" (www.aou.org/auk).
De acordo com o trabalho, a semelhança entre o cacaué e os jovens da jandaia-sol, batizada há mais de 200 anos, pode ter colaborado para a duração do equívoco, levando pesquisadores a associar sua plumagem diferente a uma idade intermediária.
Complicava a solução do enigma o fato de os museus não terem simultaneamente boas amostras das duas espécies. Nos do Brasil, praticamente só havia o cacaué, e nos do exterior, a jandaia-sol.
Antes do trio, alguns sistematas (biólogos que estudam o parentesco e a classificação dos seres vivos) haviam levantado outras hipóteses: os tais exemplares destoantes de jandaia-sol seriam híbridos da espécie com um terceiro representante do gênero na região amazônica ou simplesmente indivíduos que ganharam uma cor diferente por causa da alimentação recebida em cativeiro.
Em 1966, o ornitólogo Olivério Mário de Oliveira Pinto esboçou a reclassificação hoje levada adiante. O segundo nome do animalzinho (pintoi), aliás, deriva do sobrenome do pesquisador, morto em 1981. "Ele só não chegou à nossa conclusão por insuficiência de material", avalia Luís Silveira. "Nós o homenageamos por isso e por ser o maior sistemata de aves que o país já teve."

Bicho diferente
A bola foi cantada para Silveira em 1999, por um criador de aves que o avisou sobre um "bicho diferente" que vinha sendo encontrado no Pará. Para desatar o nó, o pesquisador esteve em museus no Brasil, na Europa e nos EUA. Terminou de encaixar as peças só em 2003, após observar a ave em liberdade perto de uma cidadezinha às margens do Amazonas.
"É um caso emblemático, que comprova a importância das coleções biológicas", diz. "Felizmente já se fala muito em biodiversidade, mas para que ela seja conhecida os cientistas precisam de material de estudo e, às vezes, até mesmo o governo, que deveria ser um dos maiores interessados no conhecimento da diversidade, tem dificuldade em reconhecer a importância das coleções."
Nelas, os animais são conservados, às vezes, durante centenas de anos, e podem ser examinados por biólogos, constituindo referência para revisões nas classificações e nos estudos evolutivos.
Depois da boa nova do achado, um problema: o status de espécie pode aumentar a pressão de tráfico sobre o cacaué, alertam os três autores do estudo. Além disso, ainda não está clara sua área de ocorrência, mas eles dizem acreditar que é restrita.
"Se os pesquisadores concluírem que a espécie corre risco, eles podem recomendar sua inclusão na lista das ameaçadas", afirma Roberto Cabral Borges, chefe de fiscalização de fauna do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Ele lembra o caso da ararinha-azul, que foi considerada extinta na natureza, depois redescoberta e novamente perseguida por passarinheiros.
"O reconhecimento da espécie como ameaçada pode orientar diversas medidas, como a formação de um comitê para monitorar sua população e um programa local de educação ambiental", explica Borges. Em alguns casos, os cuidados incluem a criação de uma reserva para proteger o animal.
Os psitacídeos são um grupo particularmente vulnerável de aves. Das 82 espécies brasileiras, 14 estão ameaçadas de extinção e uma já foi extinta, além da ararinha, hoje só achada em cativeiro. Os principais motivos são o comércio ilegal e a destruição do habitat dos pássaros.
O trabalho contou com apoio do Ibama, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo) e da UPS Brasil.


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