|
Texto Anterior | Índice
Ciência em Dia
Muito além dos laboratórios
Marcelo Leite
editor de Ciência
Entre as várias comemorações no Reino Unido dos 50 anos da descoberta
da estrutura do DNA por James Watson
e Francis Crick, o British Council reuniu
26 pessoas de 17 países em Newcastle,
entre os dias 10 e 14 últimos, no seminário "Explorando o Conhecimento Genético". Um dos temas mais debatidos foi a
democratização dos sucessos da biologia
molecular e em que medida a iniciativa
privada a favorece ou dificulta.
Sir John Sulston, por exemplo, Nobel
de Medicina em 2002, desancou a tentativa de "privatizar" o genoma humano.
Na sua versão, ela foi capitaneada pela
firma americana Celera no final dos anos
90. Com aparente satisfação, sir John
contou como a iniciativa de que participou, o consórcio internacional Projeto
Genoma Humano (dominado por instituições públicas como universidades e
fundações), acabou ganhando a parada.
O PGH prossegue com o trabalho de
acabamento da sequência (transcrição)
de todas as letras do DNA da espécie. Já a
Celera abandonou progressivamente a
exploração comercial de informações
genéticas, livrando-se do polêmico cientista-empresário Craig Venter, antes um
prolífico patenteador de genes humanos.
De certo modo, foi como chutar um
animal desfalecido (embora Venter permaneça muito vivo, vendendo a idéia de
soletrar o genoma de pessoas físicas por
US$ 700 mil). Funcionou, porém, como
contraponto para a perspectiva privatista de outros conferencistas, biólogos migrados para empresas de biotecnologia.
A democratização da genética não vive
só de resistência, contudo. Como é mais
típico da Europa do que da América, foram apresentadas várias iniciativas em
que setores do público tentam exercer algum controle sobre sua aplicação.
Uma das mais criativas é a idéia de ampliar o controle de qualidade conhecido
como "peer review" (revisão pelos pares,
que designa a praxe de remeter trabalhos
científicos, antes da publicação, para
exame de especialistas desvinculados do
grupo que realizou a pesquisa). Ela está
sendo posta em prática pela Sociedade
de Alzheimer do Reino Unido, organização sem fins lucrativos que despende 2
milhões de libras esterlinas (R$ 10,8 milhões) anualmente com pesquisas sobre
a demência senil, doença com considerável componente hereditária.
Trata-se do programa Pesquisa de
Qualidade em Demência (www.qrd.ion.ucl.ac.uk), que de certo modo inverteu o
sistema tradicional de seleção de projetos de pesquisa para financiamento. A
noção de base é que a comunidade de pacientes, familiares e profissionais de saúde diretamente afetados pelo mal de Alzheimer tem algo a dizer sobre as pesquisas que gostaria de ver realizadas.
O programa não dispensa a "peer review", apenas a acopla com um sistema
paralelo. Para começar, toda proposta de
pesquisa tem de ser submetida em termos compreensíveis por leigos -o que
deve deixar muitos cientistas de cabelos
em pé, mas não a ponto de fazer com que
desistam dessa fonte de financiamento.
Num primeiro passo, uma rede de 150
leigos montada pela Sociedade Alzheimer faz uma pré-seleção das pesquisas
prioritárias para a comunidade. Entram
então em cena os especialistas, para examinar o mérito científico das propostas
pré-selecionadas, mas sem ter a palavra
final. Ela só é proferida por um painel de
concessão de verbas que é paritário (metade cientistas, metade leigos).
Parece populismo, mas não é.
O jornalista Marcelo Leite cursou o seminário "Explorando o Conhecimento Genético" em Newcastle-upon-Tyne (Reino Unido) com patrocínio do
British Council
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
Texto Anterior: Micro/Macro: Fogo e gelo Índice
|