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NANOBIOLOGIA
Cientistas "fotografam" a rotação da ATPase, motor molecular que produz a energia celular fundamental
Grupo desvenda segredo da usina da vida
SALVADOR NOGUEIRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
De longa data os cientistas já conhecem o papel fundamental da
molécula ATP, a moeda de troca
energética das células de todos os
organismos. O que o estudo do
Centro de Biotecnologia da Universidade Teikyo, no Japão, fez foi
jogar alguma luz sobre como se
dá a emissão desse dinheiro pela
casa da moeda celular.
O mecanismo responsável pela
montagem de moléculas de ATP
(adenosina trifosfato) dentro das
células é o motor molecular ATPase ("motores moleculares" são
mecanismos nanoscópicos que
realizam funções importantes
dentro de células). Ele é composto
por duas peças básicas que ficam
uma sobre a outra, denominadas
F0 e F1 (veja quadro ao lado).
Quando as duas peças estão engrenadas, F0 induz o giro do mecanismo de F1, que por sua vez usa
essa rotação para coletar moléculas de ADP (adenosina difosfato)
e mais um fosfato, convertendo-as em uma molécula de ATP, mais
energética. A moeda recém-cunhada é então liberada no ambiente celular, onde irá circular
para alimentar outros processos.
Quando F1 é desacoplado do sistema, ele opera de forma inversa:
gira no sentido contrário, coleta
moléculas de ATP e converte em
ADP e fosfatos. Para observar
exatamente esse processo, os
cientistas prenderam um pequeno globo feito de ouro sobre o mecanismo giratório de F1, de modo
que seu movimento pudesse ser
observado sob o microscópio.
Controlando a quantidade de
ATP disponível para a atividade
do motor, eles puderam verificar
a velocidade do giro do sistema
(que chega a 130 revoluções por
segundo) e confirmar que cada
molécula de ATP provoca uma
rotação de 120 (um terço de volta
completa), dado que já havia sido
obtido pelo grupo em 1997.
Dois tempos
A maior novidade, entretanto,
foi a possibilidade de perceber pela primeira vez que esse giro de
120 não ocorre de uma tacada só.
Estão envolvidas duas etapas separadas, uma na introdução de
ATP (que provoca um giro de
90) e outra pelo seu processamento e a liberação de ADP e fosfato (os 30 faltantes).
"Nossa descoberta mais importante é que o desmantelamento de
ATP, que poderia ser pensado como a etapa de maior liberação de
energia, na verdade faz pouco trabalho", afirma Kazuhiko Kinosita, um dos pesquisadores do grupo liderado por Ryohei Yasuda.
Pode não parecer muito significativo, mas quando o significado
é traduzido para uma metáfora
mais próxima do cotidiano, fica
fácil perceber um impacto da descoberta, relatada na última edição
da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
"Isso é memorável. Imagine um
carro que seja movido simplesmente pela injeção de combustível, mesmo antes de consumir
qualquer gasolina", disse à Folha
Mark Schnitzer, cientista da Lucent Technologies convidado pela
"Nature" para comentar o estudo.
O entendimento desses mecanismos ajudará a compreender
um pouco mais do sistema monetário das células -como ela converte a moeda-energia em atividades fundamentais.
Yasuda e seus colegas já estão
dando continuidade ao estudo.
"Estamos tentando, sob um microscópio óptico, forçar o motor
F1 a girar na direção contrária e
demonstrar que podemos sintetizar ATP pela força bruta", conta
Kinosita. Segundo ele, os primeiras resultados são promissores.
Embora motores moleculares
naturais, como a ATPase, sejam
inspiração para o recente campo
da nanotecnologia (a construção
de artefatos minúsculos capazes
de operar dentro de células), Kinosita diz que a motivação de seu
estudo é entender a natureza. Ele
não antevê uso prático para esse
conhecimento.
"Se alguém conseguir pensar
em um modo de utilizar essa característica [identificada na ATPase", será uma aplicação revolucionária. Eu mesmo não tenho a
menor idéia, exceto a de que Deus
utilizou isso para produzir organismos vivos", diz.
Na verdade, um grupo da Universidade Cornell (EUA) já andou
brincando com a ATPase para
criar nanomáquinas. No ano passado, a equipe inventou um "nanocóptero" -uma haste presa ao
motor F1, movido a ATP.
Ainda assim, falta muito para
que o aparato receba aplicação
consistente, como sonham seus
inventores. Para isso, mais conhecimento sobre o funcionamento
da ATPase vem bem a calhar.
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