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Grupo decifra a genética do cacau podre
Doença provocada pelo fungo vassoura-de-bruxa arruinou com a cultura cacaueira do sul da Bahia na década passada
Um dos autores da pesquisa,
confiante na recuperação da
produção a partir da ciência,
vendeu quase tudo para
comprar fazenda em Ilhéus
Antônio Gaudério - 22.nov.1999/Folha Imagem
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Frutos apodrecidos de cacau atacados pelo fungo vassoura-de-bruxa, em Ilhéus, sul da Bahia |
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Cientistas brasileiros deram
um passo firme para exterminar a vassoura-de-bruxa, fungo
que quebrou toda a cultura cacaueira do sul da Bahia nos
anos 1990. Eles identificaram
os três genes do parasita que
causam a necrose do cacau.
"Com esse trabalho encontramos um alvo [genético] fortíssimo para atacar. O apodrecimento dos ramos e dos frutos
é o grande problema da doença", disse à Folha o pesquisador Gonçalo Pereira, 42, da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Baiano de Salvador, ele acredita tanto nas pesquisas feitas
desde o ano 2000 que inclusive
comprou uma fazenda em
Ilhéus para produzir cacau.
"Vendi quase tudo para fazer
isso", comenta o pesquisador.
Após seqüenciar todo o genoma da vassoura-de-bruxa, o
grupo de Campinas - que tem
a colaboração da UESC (Universidade Estadual de Santa
Cruz) e do pesquisador americano Lyndel Meinhardt em
seus projetos- elegeu quais seriam os genes mais indicados
para continuar o trabalho. Com
os candidatos isolados, os resultados começaram a surgir.
"Expressamos os genes em
bactéria, purificamos a proteína e "pingamos" em outros vegetais. Eles [os genes] efetivamente necrosam a planta", revela o pesquisador, que vai publicar o artigo científico sobre a
identificação dos genes na revista "Mycological Research".
"Agora, o próximo passo é
conhecer bem as estruturas
dessas proteínas para que possamos ter uma chave que entre
nessas fechaduras e inative esse processo", explica.
Apesar do desenvolvimento
de um fungicida eficiente ainda
ser algo para o futuro, os produtores baianos já conseguem
lutar contra a doença com mais
chances de vencer.
O entendimento do ciclo natural da vassoura-de-bruxa obtido a partir das pesquisas permitiu que agricultores e cientistas fizessem um bom plano
de manejo para suas culturas.
Ciência real
Desde o ano passado, na Fazenda Porto Novo, de propriedade de Pereira e de mais dois
sócios, o tempo de fazer a poda
da planta já mudou.
"Primeiro, temos que fazer
um corte antecipado, entre dezembro e setembro, e não mais
entre fevereiro e maio como
antes". Isso, segundo Pereira,
para evitar que o rebrotamento
do cacau, processo seguido a
poda, encontre muitos fungos
no campo. "Eles só penetram
em tecidos que estão em fase de
crescimento", afirma.
Outra ação importante é adicionar uréia no solo no começo
do período das chuvas, nos primeiros dias de abril, quando o
fungo muda de fase.
As pesquisas mostraram que
no início do ciclo de vida a vassoura-de-bruxa se instala em
baixa quantidade nos tecidos
vivos do cacau.
Como a planta não percebe o
fungo no começo do processo
ela trata a área invadida como
se fosse um novo broto. "Muitos nutrientes vão para o local".
Ao perceber que trata-se de
um ataque, o vegetal deflagra
um processo contrário. "A
planta começa a se matar. Isso
faz com que sobrem muitos nutrientes para o fungo. É o sinal
que o parasita precisava para
iniciar a fase de necrose e, ao
mesmo tempo, se multiplicar".
Como o fungo, nessa segunda
etapa, não vive em tecidos vivos, a uréia, ou no caso o nitrogênio que vem junto com ela,
tem exatamente o papel de enganar a vassoura-de-bruxa.
"Uma vez que a concentração
de nutrientes é alta desde o início, o fungo muda de fase antes
da hora e não sobrevive", explica Pereira. "Não tem nada de
novo no manejo. A questão está
no ciclo. Em fazer as coisas no
momento correto", explica.
Essa forma de manejar o cacau contra o fungo, agora corroborada pela ciência, estava
sendo feito na Bahia pelo agricultor Edvaldo Sampaio. Os
cientistas ficaram surpresos
quando chegaram ao campo e
viram que alguém já estava fazendo de forma empírica aquilo que eles haviam descoberto
no laboratório ser o ideal.
"O problema agora é a insolvência dos produtores", explica
Pereira. "Isso complica um
pouco a retomada do setor".
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