São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

Texto Anterior | Índice

GENÔMICA

Estudo brasileiro associa ação de micróbio a gene

Comparação do DNA de bactérias ajuda a combater pragas agrícolas

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Duas pedras no sapato da agricultura tiveram seu genoma (o conjunto dos genes) comparado por cientistas brasileiros. A dupla é formada pelas "primas" Xanthomonas citri e Xanthomonas campestris, duas bactérias que afetam frutas cítricas e vegetais como o repolho e a couve-flor.
O trabalho, publicado hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com), traz dados importantes sobre as pragas, que têm em comum cerca de 80% de seu código genético, mas desenvolveram formas bem distintas de se aproveitar das plantas.
A mais temida das Xanthomonas é provavelmente a X. citri, que causa o cancro cítrico e já diminuiu em 25% a produção de laranja no Estado de São Paulo. Mas a X. campestris, por afetar a Arabidopsis (a planta-modelo da biologia vegetal) e ser muito usada pela indústria para produzir estabilizantes e lubrificantes, também deve render resultados .
"Com o genoma, é como se eu tivesse um livro na mão. Agora é preciso lê-lo", compara a pesquisadora Ana Claudia Rasera da Silva, do Instituto de Química da USP, coordenadora do estudo.
"A médio prazo, isso ajuda a criar mecanismos de combater as doenças e diminuir a erradicação das plantações afetadas", afirma. É que, até hoje, o único jeito de tratar um laranjal com pés afetados pelo micróbio é arrancar todas as árvores, explica Silva -uma tática de terra arrasada que é péssima para o bolso.
"Filogeneticamente [em termos evolutivos", as duas estão muito próximas da Xylella", explica Silva, citando outra bactéria parasita de frutas cítricas cujo genoma foi sequenciado no Brasil. O estudo estima algo em torno de 7 milhões de anos para a separação das duas espécies, uma ninharia evolutiva -mas que deixou marcas importantes, diz a pesquisadora. A maior delas é a adaptação aos diferentes hospedeiros.
"Essas bactérias são muito distintas na hora de atacar cada tipo de planta", explica Silva. A X. citri forma uma espécie de tumor (o cancro) em laranjas e limões. Já a X. campestris se espalha por todos os tecidos da planta, causando um tipo de apodrecimento.
De acordo com Silva, os genes explicam esses mecanismos: na bactéria do cancro cítrico, há diversas sequências de DNA responsáveis por causar uma proliferação exagerada das células, gerando o tumor nas frutas.
A X. campestris, por sua vez, se especializou em criar enzimas que rompem a parede celular das plantas, passando, assim, de tecido a tecido. Os genes que comandam esses mecanismos, identificados e comparados, deverão ser alvos de pesquisas para deter as pragas, além de ajudar a identificar quais plantas estão doentes e poupar as sadias.
O trabalho foi feito por cientistas das três universidades estaduais de São Paulo (USP, Unesp e Unicamp), além de outros centros no Brasil. O financiamento veio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura). De acordo com Silva, mais genomas de bactérias estão a caminho.



Texto Anterior: Astrobiologia: Camada de gelo de 19 quilômetros esconde oceano de lua de Júpiter
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.