|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Produzir vida do zero é desnecessário"
Para cientista da Unicamp, anúncio da criação do primeiro organismo sintético nos EUA teve muito marketing
Tática mais promissora
consiste em ensinar
truque novo a micróbio
velho; biodiversidade do Brasil pode ajudar
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS
O geneticista americano
Craig Venter causou estardalhaço, na última quinta-feira,
ao apresentar o que pode ser
considerada a primeira célula sintética de bactéria. "É
uma notícia ótima para impressionar investidor", brinca Gonçalo Pereira, da Unicamp, sobre o trabalho.
"Mas não é criação de vida, e há muito marketing aí",
afirma Pereira. "O DNA foi introduzido em uma "sopa" pré-formada ["cascas" de bactérias, despidas de seu DNA].
Essa sopa é que é difícil de
construir sinteticamente."
O que gente como Pereira
chama de biologia sintética
não é montar um organismo
a partir do zero com matérias-primas nunca vistas antes. O objetivo, mais modesto, é recombinar de formas
criativas os materiais que já
existem nos seres vivos.
TOME ISTO, VENTER!
Uma das críticas feitas à
abordagem de Craig Venter e
de sua empresa, a Synthetic
Genomics, é justamente esta:
a abordagem tradicional, de
ensinar truques novos a micróbios velhos, tem avançado bastante e pode dar mais
resultado do que a criação de
micróbios novos.
"No fundo, o que você
quer é tirar a vontade própria
desse organismo", explica o
pesquisador da Unicamp.
Isso é obtido por meio da
transgenia, a boa e já velha
inserção de genes novos em
organismos. Mas uma transgenia especial: em vez de um
gene estranho, são inseridos
dezenas, para mudar não
apenas um produto (uma
proteína, por exemplo), mas
para alterar a própria função
daquele organismo.
Com a nova tecnologia, a
criatura vira uma máquina a
serviço de seus mestres humanos. "Essa talvez seja a
melhor definição de vida sintética", continua Pereira.
Na busca por um sistema
biológico produtor de plástico, a equipe da Unicamp está
tentando manter as opções
abertas. Há três tipos de organismos candidatos: leveduras, bactérias e plantas.
BARZINHO X EMPRESA
Os desafios de fazer biológica sintética com cada uma
dessas "plataformas", como
o cientista as chama, é diferente. "O microrganismo é
como um dono de barzinho,
que tem de fazer tudo, de servir as bebidas a receber no
caixa. Ele se vira, embora
não faça nada disso bem."
Já o organismo de muitas
células é uma empresa multinacional, compara: altamente eficiente, com muitas partes especializadas. "É mais
difícil mexer em organismos
multicelulares, mais coisas
podem dar errado", afirma.
A chave para o sucesso,
diz o cientista, é saber combinar os melhores genes com o
melhor reator, ou seja, o organismo mais propício a gerar o produto codificado nos
genes em grande quantidade
e com baixo custo. "A biodiversidade brasileira pode nos
dar esses biorreatores."
Até agora, as tentativas de
fazer plástico bacteriano tomaram justamente partido
desse princípio. "Algumas
bactérias já produzem plástico. Um exemplo é o PHB, ou
polihidroxibutirato", diz.
"Uma empresa chamada
Metabolix pegou os genes do
PHB e jogou numa outra bactéria, que é boa de ser produzida na indústria", conta,
mostrando uma caneta feita
com PHB. O problema é que o
PHB é instável. "Se eu deixar
com você, daqui a um ano
você vai ver o que acontece."
(REINALDO JOSÉ LOPES)
Texto Anterior: Grupo já depositou três pedidos de patente Próximo Texto: Frases Índice
|