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MARCELO GLEISER
ciencia@uol.com.br
O raio cinquentão
A história da invenção do
laser é um exemplo da
competição ferrenha que
existe na área acadêmica
DUAS SEMANAS atrás, meu filho de
16 anos me pediu um dinheiro emprestado. Queria desenvolver um
"projeto": construir um laser portátil capaz de emitir luz azul. "Pai,
posso vender muito mais barato do
que os preços comerciais. E não tem
nada mais lindo que um laser azul!"
Dito e feito. Dez dias depois, lá estava ele com seu laser azul. Fora o
orgulho paterno (eu, com 16 anos,
jamais saberia construir um laser),
pensei na longa trajetória do laser,
que neste ano faz 50 anos de vida.
Uma estrada tortuosa liga a ideia
original de Einstein, de 1916, à invenção do meu filho.
Em 1916, Einstein escreveu ao seu
amigo, Michele Besso: "Uma luz esplêndida iluminou minha mente
com respeito à emissão e absorção
de radiação". Tudo começa com o
modelo do átomo, onde elétrons giram em torno do núcleo em órbitas
distintas. Eles podem pular para
uma órbita mais externa ou para
uma mais próxima do núcleo. Cada
órbita tem uma energia fixa. Se luz
externa, com energia correta, se
chocar com os elétrons em uma dada órbita, pode induzi-los a pular
para uma órbita mais elevada.
Imagine que a luz seja feita de pequenas partículas, os fótons. Os elétrons "comem" os fótons e sobem de
órbita: este é o processo de "absorção espontânea". Ou eles podem
descer de órbita, emitindo fótons.
Einstein entendeu que isto pode
ocorrer de duas formas: espontaneamente, ou provocado por luz externa -emissão estimulada. É este o
processo chave no laser, sigla em inglês para "amplificação de luz pela
emissão estimulada de radiação".
A história da invenção do laser é
um exemplo da competição ferrenha que existe na área acadêmica,
especialmente quando laboratórios
privados, com fins lucrativos, participam da corrida.
Mesmo que a ideia de como construir o primeiro laser tivesse ocorrido a Charles Townes quando trabalhava na Universidade Columbia, a
competição veio de físicos trabalhando nos laboratórios da Hughes
e da Bell, a companhia de telecomunicações. Em 1954, Townes (e, independentemente, Nikolai Basov e
Aleksandr Prokhorov) havia inventado o maser, um laser no qual a radiação é de micro-ondas. Para
transformar o maser num laser, era
preciso estimular átomos capazes
de emitir na luz visível, o que alguns
físicos achavam ser impossível.
O truque era usar um sistema de
espelhos que fizessem a luz passar
várias vezes através de um gás,
mantendo elevada a população de
átomos em estados excitados. Estes
átomos poderiam, então decair,
emitindo dois fótons: um que o elétron havia "comido" ao subir de órbita e outro que veio da luz que estimula seu decaimento. Esses fótons,
por sua vez, causariam a queda de
outros elétrons e, com isso, uma enxurrada de fótons seria emitida, todos com a mesma energia (e cor).
Em 1960, Theodore Maiman, do
laboratório Hughes, usou um cristal
de rubi para construir o primeiro laser. No mesmo ano, Ali Javan e colaboradores, do Bell, construíram outro, usando uma mistura dos gases
hélio e neônio. Na alta Guerra Fria, o
laser foi inicialmente visto como
uma arma. Hoje, é usado para gravar CDs e DVDs, em fibras ópticas,
em leitoras de supermercados e, claro, nas minhas aulas, na espetacular cor azul, graças ao meu filho.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "Criação Imperfeita"
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