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Conchas são "jóia" mais velha do mundo
Contas de colar de 100 mil anos encontradas em Israel e na Argélia marcam início do pensamento abstrato, diz estudo
Material consiste em três
conchinhas perfuradas, e
faz recuar em 25 mil anos
o surgimento da mente
moderna do "Homo sapiens"
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
As jóias mais importantes da
história da humanidade têm
100 mil anos, 25 mil a mais do
que se achava até agora. Qualquer criança poderia fazê-las
hoje -são conchinhas furadas
para uso em colares. Mas, feitas
por homens ou mulheres pré-históricos, elas sinalizam o momento em que o ser humano
passou a ser culturalmente moderno. E por isso são valiosas.
Dois anos atrás, uma equipe
internacional de cinco pesquisadores havia achado na caverna de Blombos, na África do
Sul, uma coleção de conchas furadas que interpretaram como
tendo pertencido a um colar de
contas de 75 mil anos de idade.
A equipe era chefiada por
Christopher Henshilwood,
professor da Universidade de
Bergen, Noruega e da Universidade Estadual de Nova York.
"Existem apenas 41 conchas, e
cada uma delas é uma conta de
colar, com furos no mesmo lugar", disse ele, respondendo a
céticos que achavam que as
conchas poderiam ter sido furadas por processos naturais.
Desde então, os pesquisadores continuaram à procura de
mais jóias semelhantes -só
que nas prateleiras dos museus.
E acharam três conchas parecidas nos sítios arqueológicos de
Skhul, em Israel, e de Oued
Djebbana, na Argélia. As conchinhas, todas da espécie Nassarius gibbosulus, estavam em
museus em Londres e Paris.
"O material estava guardado
aqui por mais de setenta anos,
mas até há pouco ninguém
pensaria que esse tipo de comportamento poderia estar presente 100 mil anos atrás, por isso ninguém procurou", diz um
dos autores do estudo, Chris
Stringer, do Museu de História
Natural de Londres.
"Mas a evidência da caverna
de Blombos nos alertou para a
possibilidade, e por isso eu
convidei pesquisadores desse
trabalho para ver as poucas
conchas preservadas das escavações de Skhul", diz Stringer.
O estudo foi publicado na
edição de hoje da revista científica norte-americana "Science"
(www.sciencemag.org).
"Nosso artigo apóia um cenário no qual os seres humanos
modernos na África desenvolveram comportamentos que
são considerados modernos
bem cedo", afirma Francesco
d'Errico, do Centro Nacional
de Pesquisa Científica da França, co-autor do estudo.
Uma visão oposta afirma que
o homem só se tornou culturalmente moderno há cerca de 40
mil anos, quando teria havido
uma "explosão simbólica", por
exemplo refletida nas belas
pinturas de caverna na Europa.
O sítio em Israel, a 3 km ao sul
de Haifa, foi escavado de 1931
em diante. O sítio argelino, a
200 km do mar Mediterrâneo,
foi descrito a partir de 1919 e
escavado nos anos 1940.
A distância dos sítios do mar
é um fator importante na avaliação das conchas, especialmente no caso do sítio argelino.
"Mas quando você combina isso com a evidência existente de
Skhul de um enterro simbólico,
de um homem segurando a
mandíbula inferior de um javali, eu acho que é tão convincente quanto os achados de Blombos em termos de comportamento complexo", diz Stringer.
Para ele, as inovações na história recente da humanidade
são raramente perdidas. "Mas,
no passado, pequenas populações eram vulneráveis à extinção ou a adaptação relativamente rápida para sobreviver,
e isso poderia levar a uma perda de inovações que poderiam
ser úteis a longo prazo", afirma.
Isso fica claro quando se nota
que inovações importantes
-como armas- surgem em lugares e em épocas diferentes.
Os pesquisadores responsáveis por escavações pioneiras
no começo do século 20 usavam pás e picaretas, pois estavam à procura de grandes ossos
e ferramentas de pedra. Não
passava então pela sua cabeça
que simples conchinhas pudessem ter tanto valor científico.
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