São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2010

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Austrália acusa Japão de sequestrar negociação

Ministro Peter Garrett diz que seu país não permitirá caça à baleia na Antártida

Em encontro na África, japoneses retrucam que já fazem concessões a conservacionistas; Brasil mostra ceticismo


Greenpeace - 13.jan.06
Baleia arpoada pelo navio japonês Yushin Maru sangra até a morte no oceano Austral

REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A AGADIR

O ministro do Ambiente da Austrália, Peter Garrett, partiu para o ataque ontem durante o segundo dia da reunião anual da CIB (Comissão Internacional da Baleia).
Numa retórica tão contundente quanto a das canções de protesto de sua antiga banda, o Midnight Oil, Garrett disse que os países que caçam baleias "transformaram em refém" a negociação.
"Até que eles mostrem ter vontade real de fazer um acordo, não vamos negociar nossos princípios", disse o ministro, cujo governo se opõe a qualquer solução que não seja equivalente à eliminação completa da caça.
Para o ministro australiano, a atual proposta de estabelecimento de cotas de captura comercial na CIB, embora reduza, na prática, o número de baleias mortas, está longe de ser considerada um passo na direção correta.
As declarações ajudam a mostrar o tamanho do racha que divide os 88 países da CIB. No lugar da proposta atual, elaborada pela presidência da comissão, os australianos defendem uma reformulação do órgão que, na prática, iria transformá-lo numa comissão exclusivamente conservacionista.
A Austrália defende que a CIB deva centrar esforços "em saber como estão as populações [de baleias], em especial no oceano Austral, e protegê-las", diz Garrett.
A retórica do bem contra o mal prevaleceu em apresentação anterior à fala dele.
Representantes de organizações europeias de bem-estar animal ressaltaram a impossibilidade de abater baleias sem fazê-las sofrer. Uma montagem sonora com vozes de dezenas de australianos, projetada num vídeo, dizia que a caça aos cetáceos é "inerentemente cruel".

NO MEU QUINTAL, NÃO
Quando se deixa de lado as preocupações ambientais e humanitárias, a oposição australiana à caça, em especial no oceano que circunda a Antártida, tem relação com a visão geopolítica da Austrália sobre o continente.
"A Austrália reivindica como sua área de influência mais de 40% da Antártida", lembra o jornalista australiano Andrew Darby, autor de "Harpoon" ("Arpão"), livro que traça a história da exploração baleeira.
"Existe uma relação próxima entre o país e o continente. Quando se falou na caça de jubartes na Antártida, por exemplo, o público australiano reagiu com indignação porque aquelas eram "nossas" jubartes, baleias nascidas na costa da Austrália que migram para lá."
O diplomata brasileiro Fábio Pitaluga, principal negociador do Brasil na CIB, é menos incisivo do que Garrett. Mas deixa claro que, para o país, a atual proposta também é inaceitável.
"Claro que estamos abertos a negociar, mas o que querem de nós equivale a fazer uma série de concessões imediatas sem que ofereçam contrapartida", diz Pitaluga.
"Os números atuais não representam uma redução substancial nas capturas."
O diplomata também se diz cético sobre o processo de monitoramento da caça, um dos aparentes pontos positivos da proposta da presidência da CIB. "De onde virão os observadores internacionais? Como serão pagos? Tudo isso ainda está no ar."

SUBSTANCIAIS
O Japão afirmou estar fazendo "concessões substanciais". Diz que poderia cortar pela metade suas capturas no oceano Austral, e diminuir ainda mais essa cota no futuro. Também se disse de acordo com a presença de observadores internacionais e com a criação de um banco de DNA para rastrear a carne das baleias capturadas.
O porta-voz do país aproveitou para atacar as ONGs, dizendo que elas "mentem e manipulam" para dizer que o Japão não estaria cedendo.


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