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São Paulo, quarta-feira, 23 de julho de 2003

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COSMOLOGIA

Modelos põem em xeque necessidade científica de um início para o Universo em conferência no Rio de Janeiro

Físicos questionam hipótese do Big Bang

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando se fala da origem do Universo, são poucos os que hesitam em dizer que ele surgiu numa grande explosão há pouco mais de 13 bilhões de anos e tem se expandido desde então. Mas Mário Novello recomenda cautela aos apressados. Talvez a questão esteja longe de ter uma resposta.
O físico brasileiro apresentou algumas de suas idéias alternativas numa conferência na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), ligada à 10ª Reunião Marcel Grossmann de Relatividade Geral, um dos principais eventos da área no mundo.
Poucos anos atrás, seria impensável imaginar que essa conferência -que ocorre desde 1975 e reúne mais de 500 físicos relativistas até sábado no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio- fosse servir de abrigo a hipóteses contrárias ao Big Bang. Mas o cenário da cosmologia mudou muito de uns tempos para cá, segundo o pesquisador.

Mudança de hábito
"Há menos de cinco anos isso seria um escândalo e agora já é um tema convencional", diz Novello. "Teremos uma sessão paralela e até uma plenária sobre essa polêmica cosmológica."
A disputa tem precedência histórica. Em 1900, por exemplo, o célebre cientista britânico Lorde Kelvin apontou que o século 20 teria apenas "duas nuvens" no horizonte da física, uma relacionada à teoria do calor e outra à propagação da luz. Desses "detalhes" nasceram a mecânica quântica e a relatividade, que revolucionaram a ciência e deixaram o céu de Kelvin bem mais nebuloso.
A relatividade foi o nascedouro da teoria do Big Bang, hipótese que postula, a partir do movimento expansivo do cosmos, que toda a matéria e energia já estiveram num instante passado reunidas num ponto infinitamente denso, no qual leis físicas distintas das conhecidas poderiam ocorrer. Antes disso, não havia nem mesmo espaço, tempo ou leis físicas, o que torna a questão "do que veio antes" problema insondável e incômodo para muitos físicos.
Nos anos 1940, o russo-americano George Gamow formalizou a teoria da grande explosão e previu a existência de um eco detectável desse evento, a radiação cósmica de fundo. Captada pela primeira vez em 1965, ela é hoje considerada uma das evidências mais fortes em favor da hipótese do Universo com um início.
Mas nem a versão de Gamow, nem as atualizações posteriores conseguiram eliminar o paradoxo: como estudar um evento que não respeita as leis da física, instrumento com que se pretende sondá-lo em primeiro lugar?

Movimento contrário
Um pioneiro dessa "contra-reforma" foi o britânico Fred Hoyle, que em 1948 propôs um modelo de Universo estacionário, hoje descartado. Um movimento contrário só ganhou força mesmo no final da última década, ajudado por descobertas que trouxeram novas incógnitas, como a energia escura e a matéria escura, dois elementos misteriosos que, ao que parece, respondem por até 95% de tudo que há no Universo.
"Creio ser possível afirmar que a idéia de um início singular, explosivo, do Universo -que determinaria os limites nos quais a investigação científica deveria ser interrompida- parece ser hoje menos atraente do que outras propostas", afirma Novello. "A idéia de aceitar condições iniciais não controláveis por leis físicas acessíveis foi posta de lado."
Em seu lugar, o físico aposta em modelos que apresentam o Universo sempre em processos de contração ou expansão, regidos por leis físicas tangíveis, mas sem um início ou fim definidos. Um sucesso recente de idéias como essa veio no ano passado, quando Paul Steinhardt, da Universidade de Princeton, nos EUA, propôs um modelo de Universo cíclico que não só elimina o início "fiat lux" como também inclui a energia escura na evolução cósmica.
O próprio Novello já desenvolve um cenário de Universo dinâmico e eterno no CBPF há duas décadas, usando a relatividade para sondar passado e futuro cósmicos. E, conforme outras "nuvens de Kelvin" emergem na física do século 21, esse debate deve ganhar novos contornos. De toda forma, a origem do Universo ainda deve permanecer por um bom tempo na lista de mistérios "a resolver".

Instituto nacional
O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou anteontem, na abertura da reunião no Rio, a criação do Instituto Nacional de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica, braço brasileiro do Centro Internacional para Pesquisa Astrofísica (Icra).


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