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COSMOLOGIA
Modelos põem em xeque necessidade científica de um início para o Universo em conferência no Rio de Janeiro
Físicos questionam hipótese do Big Bang
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando se fala da origem do
Universo, são poucos os que hesitam em dizer que ele surgiu numa
grande explosão há pouco mais
de 13 bilhões de anos e tem se expandido desde então. Mas Mário
Novello recomenda cautela aos
apressados. Talvez a questão esteja longe de ter uma resposta.
O físico brasileiro apresentou
algumas de suas idéias alternativas numa conferência na UERJ
(Universidade Estadual do Rio de
Janeiro), ligada à 10ª Reunião
Marcel Grossmann de Relatividade Geral, um dos principais eventos da área no mundo.
Poucos anos atrás, seria impensável imaginar que essa conferência -que ocorre desde 1975 e reúne mais de 500 físicos relativistas
até sábado no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no
Rio- fosse servir de abrigo a hipóteses contrárias ao Big Bang.
Mas o cenário da cosmologia mudou muito de uns tempos para cá,
segundo o pesquisador.
Mudança de hábito
"Há menos de cinco anos isso
seria um escândalo e agora já é
um tema convencional", diz Novello. "Teremos uma sessão paralela e até uma plenária sobre essa
polêmica cosmológica."
A disputa tem precedência histórica. Em 1900, por exemplo, o
célebre cientista britânico Lorde
Kelvin apontou que o século 20
teria apenas "duas nuvens" no
horizonte da física, uma relacionada à teoria do calor e outra à
propagação da luz. Desses "detalhes" nasceram a mecânica quântica e a relatividade, que revolucionaram a ciência e deixaram o
céu de Kelvin bem mais nebuloso.
A relatividade foi o nascedouro
da teoria do Big Bang, hipótese
que postula, a partir do movimento expansivo do cosmos, que
toda a matéria e energia já estiveram num instante passado reunidas num ponto infinitamente
denso, no qual leis físicas distintas
das conhecidas poderiam ocorrer. Antes disso, não havia nem
mesmo espaço, tempo ou leis físicas, o que torna a questão "do que
veio antes" problema insondável
e incômodo para muitos físicos.
Nos anos 1940, o russo-americano George Gamow formalizou
a teoria da grande explosão e previu a existência de um eco detectável desse evento, a radiação cósmica de fundo. Captada pela primeira vez em 1965, ela é hoje considerada uma das evidências mais
fortes em favor da hipótese do
Universo com um início.
Mas nem a versão de Gamow,
nem as atualizações posteriores
conseguiram eliminar o paradoxo: como estudar um evento que
não respeita as leis da física, instrumento com que se pretende
sondá-lo em primeiro lugar?
Movimento contrário
Um pioneiro dessa "contra-reforma" foi o britânico Fred Hoyle,
que em 1948 propôs um modelo
de Universo estacionário, hoje
descartado. Um movimento contrário só ganhou força mesmo no
final da última década, ajudado
por descobertas que trouxeram
novas incógnitas, como a energia
escura e a matéria escura, dois elementos misteriosos que, ao que
parece, respondem por até 95%
de tudo que há no Universo.
"Creio ser possível afirmar que
a idéia de um início singular, explosivo, do Universo -que determinaria os limites nos quais a investigação científica deveria ser
interrompida- parece ser hoje
menos atraente do que outras
propostas", afirma Novello. "A
idéia de aceitar condições iniciais
não controláveis por leis físicas
acessíveis foi posta de lado."
Em seu lugar, o físico aposta em
modelos que apresentam o Universo sempre em processos de
contração ou expansão, regidos
por leis físicas tangíveis, mas sem
um início ou fim definidos. Um
sucesso recente de idéias como essa veio no ano passado, quando
Paul Steinhardt, da Universidade
de Princeton, nos EUA, propôs
um modelo de Universo cíclico
que não só elimina o início "fiat
lux" como também inclui a energia escura na evolução cósmica.
O próprio Novello já desenvolve
um cenário de Universo dinâmico e eterno no CBPF há duas décadas, usando a relatividade para
sondar passado e futuro cósmicos. E, conforme outras "nuvens
de Kelvin" emergem na física do
século 21, esse debate deve ganhar
novos contornos. De toda forma,
a origem do Universo ainda deve
permanecer por um bom tempo
na lista de mistérios "a resolver".
Instituto nacional
O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou
anteontem, na abertura da reunião no Rio, a criação do Instituto
Nacional de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica, braço brasileiro do Centro Internacional para
Pesquisa Astrofísica (Icra).
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