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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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DESASTRE EM ALCÂNTARA

Causa pode ter sido falha na ignição; número de vítimas deve aumentar

Foguete nacional explode no chão e deixa 16 mortos

Axel Bugge/Reuters - Reprodução
VLS-1 é preparado na base de Alcântara, terça-feira; no destaque, imagem de TV mostra explosão


DA REPORTAGEM LOCAL

O terceiro protótipo do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1) explodiu ontem, por volta das 13h30, na plataforma de lançamento do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.
A previsão oficial de mortos na explosão, divulgada por José Viegas, ministro da Defesa, é de 16. Estimativas extra-oficiais davam conta de que houve mais de 20 mortes na explosão e que toda a equipe técnica do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) trabalhando no lançador pode ter morrido (leia texto na pág. A18).
Viegas explicou que houve "uma ignição de um dos quatro motores do corpo principal do foguete, o que levou a uma explosão". Com essa explosão, de acordo com o ministro, a plataforma de lançamento ruiu. O foguete estava sendo preparado para um lançamento, originalmente marcado para segunda-feira. O veículo foi totalmente destruído.
Seria a terceira tentativa de lançar o VLS-1. As duas anteriores, realizadas em 1997 e 1999, foram malogradas. Na ocasião, falhas no primeiro e segundo estágios do foguete impediram a conclusão do vôo e subsequente colocação do satélite em órbita. Cada tentativa custa dessas US$ 6,5 milhões.
Esse terceiro fracasso é o acidente mais grave da história do programa espacial brasileiro. Os dois anteriores ocorreram somente após o lançamento e não produziram vítimas. Desta vez o acidente ocorreu num momento em que as pessoas trabalhavam no foguete, no chão.

Protótipo
O foguete brasileiro, com seus 19 metros de altura, é composto por quatro estágios (grosso modo, "andares"). Ele já é montado em sua posição de lançamento, vertical, com a ajuda de uma torre móvel de integração -um prédio que envolve o veículo e é afastado antes do lançamento. Era lá que estavam técnicos e engenheiros quando a explosão ocorreu.
Todos os estágios são abastecidos por combustível sólido, uma "pólvora" de alta tecnologia contendo perclorato de amônio, alumínio em pó e polibutadieno. Normalmente inerte, o único meio de explodi-lo é "acendê-lo".
"Sem a ignição, o combustível sólido nunca explodiria", afirma Jayme Boscov, um dos engenheiros responsáveis pela concepção original do VLS-1, mas afastado do projeto desde 1995.
Segundo Viegas, a causa mais provável do acidente seria uma falha nos sistemas de ignição, o que corrobora a hipótese de que pelo menos parte das 41 toneladas de combustível sólido que abastecem o VLS teria sido queimada.
Apesar disso, ainda é muito difícil antecipar o ponto exato de origem e, mais ainda, as causas do acidente. Segundo o Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (Ceconsaer), a investigação para apurar as prováveis causas do acidente está em andamento.
"O veículo é bastante complexo e delicado", diz Boscov. "Muita coisa pode dar errado, e pode haver falha mecânica ou humana."
"Estamos lidando com 40 ou 50 toneladas de explosivo", disse Luiz Gylvan Meira Filho, ex-presidente da AEB, que estava no comando da agência durante os dois primeiros lançamentos do VLS-1.
"Não é brincadeira, e essas coisas, infelizmente, acontecem. É só ver os acidentes que os russos tiveram em Baikonur, ou as falhas dos ônibus espaciais americanos", afirmou Gylvan.
Até hoje, o programa espacial americano resultou diretamente na morte de 17 pessoas: os três astronautas da primeira missão Apollo (1967) e as tripulações dos ônibus espaciais Challenger (1986) e Columbia (2003). Apesar das mortes, os acidentes nunca impediram a continuidade dos projetos. Gylvan acha que ocorrerá o mesmo no Brasil.
"Tenho certeza de que o governo vai continuar apoiando o programa." Ele não prevê, porém, grandes modificações no projeto do VLS-1. "Não há outra forma de tratar o problema, não adianta querer reinventar a roda."

Surpresa
A explosão pôde ser vista de longe, e a fumaça, avistada em São Luís, cidade que emprestava seu nome à operação.
A notícia pegou de surpresa em Brasília o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Luiz Bevilacqua. Ele participava de uma entrevista coletiva sobre o resultado das reuniões com uma delegação ucraniana quando foi informado sobre o acidente.
Os ucranianos estavam no país para acertar os detalhes da parceria no uso da base de Alcântara com os foguetes Cyclone-4. "Esse triste acidente não deveria e não irá influenciar as relações entre Brasil e Ucrânia", declarou Valeriy Komarov, presidente da agência espacial ucraniana.
(SALVADOR NOGUEIRA)


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