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MICRO/MACRO
O reducionismo na ciência e suas limitações
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Existe uma escola de pensamento científico, a reducionista,
que acredita ser possível reduzir
(daí o nome) o estudo de qualquer sistema ao de seus componentes básicos. A matéria inanimada é composta por moléculas,
estas por átomos, átomos por
elétrons, prótons, nêutrons etc.
No nível biológico, organismos
vivos são compostos por órgãos,
que são compostos por células,
estas por moléculas orgânicas,
também compostas por átomos.
Os reducionistas mais radicais
afirmam que tudo pode ser compreendido a partir das leis da física; quando tivermos um conhecimento completo das leis que
regem o comportamento da matéria no seu nível mais fundamental, poderemos extrapolar
esse conhecimento a sistemas cada vez mais complexos. Na verdade, estou exagerando um pouco as idéias reducionistas com o
intuito de instigar o leitor a refletir sobre a seguinte questão: até
que ponto essa idéia de "reduzir
para entender" é útil?
A grande expansão tecnológica
e industrial que dominou e domina a história desse século é
produto direto da aplicação de
idéias reducionistas. Televisão,
computadores, fibras óticas, laser e energia nuclear, entre outras aplicações da ciência, vêm
da mecânica quântica, a área da
física dedicada ao estudo do
comportamento de sistemas atômicos e subatômicos.
Na prática, a mecânica quântica tem suas limitações. A teoria
descreve muito bem o comportamento do átomo mais simples,
o átomo do elemento hidrogênio, que contém apenas um elétron e um próton. É possível
também obter soluções satisfatórias para o próximo átomo na lista, o átomo de hélio com seus
dois prótons. Mas o estudo de
átomos mais complexos requer
aproximações cada vez mais
drásticas e menos eficientes.
No próximo nível de complexidade na organização da matéria,
encontramos as moléculas, que
são coleções de átomos. Quantas
moléculas podem existir? Usando apenas 101 átomos (outros foram sintetizados recentemente),
e descontando os oito gases nobres, pois estes não se combinam
com outros átomos, temos 95
átomos para formar moléculas.
Se uma molécula tem dois átomos, existem 95 possibilidades
para o primeiro e 95 para o segundo, ou seja, 95 x 95 = 952 =
9.025 moléculas diferentes. Para
moléculas com n átomos, temos
95n possibilidades.
Em realidade o número é menor, porque nem todos os átomos forjam ligações entre si. Levando em conta essa limitação
(conhecida como "valência"),
o número de moléculas com n
átomos é cerca de 95n/2.
Por exemplo, se n=112, o número de moléculas é 9556, que é
aproximadamente igual a 10110
(o algarismo 1 seguido de 110 zeros)! O físico Walter Elsasser cunhou o termo "imenso" para
descrever números maiores do
que esse. Imagine que você tenha
que compilar uma lista contendo
10110 moléculas. Elsasser mostrou que para armazenarmos a
informação dessa lista, precisaríamos de um computador cuja
memória utilizaria todos os átomos de hidrogênio do Universo.
Essa discussão tem consequências importantes. Uma delas é
que o trabalho do químico jamais se esgotará. Como o número de moléculas possíveis é
imenso, sempre existirão moléculas desconhecidas. Ao aumentarmos o nível de complexidade
das estruturas estudadas, fica
ainda mais fácil obtermos um
número "imenso" de proteínas, de combinações genéticas,
de tipos de célula ou de estados
mentais.
É impossível prever o comportamento de estruturas complexas em química molecular ou
bioquímica a partir de um tratamento reducionista baseado nas
leis da física. A passagem de um
nível a outro na organização estrutural da matéria não é contínua. Seu estudo requer novas
leis, novos tipos de tratamento.
A Natureza é "imensamente"
criativa.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (Estados Unidos), e autor do livro "A Dança do Universo".
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