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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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Ciência em Dia

Planos demais para a Amazônia

Marcelo Leite
editor de Ciência

Se você acha que a batalha dos transgênicos dilacerou o governo Lula, espere para ver o que virá no caso da Amazônia, um pepino maior que a metade do Brasil. O ensaio da crise ocorre nas próximas semanas, quando começa a discussão de nada menos do que dois planos para conter a devastação da floresta.
Dois planos específicos para a floresta, quer dizer, porque o plano com "P" maiúsculo que vai ditar de fato a dinâmica econômica da macrorregião é o famigerado PPA (Plano Plurianunal). Resumo da ópera: três planos de uma sentada e, se não concorrentes, ao menos necessitados de coordenação e compatibilização. Como o assunto é inflamável, interna e externamente, sobra combustível para confusão e inação.
Sem plano algum de desenvolvimento e com crise econômica, a taxa de desmatamento já havia galgado 40% de aumento no período 2001-2002, alcançando a segunda maior área da história, 25.476 km2. A estimativa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) foi divulgada em junho e motivou a formação de um Grupo Permanente de Trabalho Interministerial (mais um).
Pois o grupo de 12 ministérios indicado ainda no calor das taxas finalizou em quatro meses um documento de 104 páginas, o primeiro da trinca: "Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Brasileira" (PAPCDA, para simplificar).
(Detalhe: o próprio PAPCDA menciona, na pág. 6 da introdução, que o Ministério do Meio Ambiente, MMA, já havia iniciado um "Plano de Ação para a Prevenção e Controle de Desmatamento, Queimadas e Exploração Madeireira Ilegal" -PAPCDQEMI, para simplificar...)
O PAPCDA, é bom dizer, tem qualidades. Embora não detalhe cronograma nem fontes de recursos, como um plano digno do nome deveria fazer, lista ações prioritárias nos 50 municípios de Mato Grosso, Pará e Rondônia onde se concentram 70% dos desmatamentos. Demonstra cuidado especial com o entorno da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), cuja pavimentação, se mal planejada, poderia induzir a repetição do padrão histórico de desmatamento na faixa de 30-50 km ao longo da estrada. Outras obras de infra-estrutura consagradas no PPA, como a hidrelétrica de Belo Monte (a polêmica Cararaô dos anos 80), deverão passar por revisão profunda.
O segundo plano tem título curto, "Plano Amazônia Sustentável" (PAS), e 195 páginas nos dois volumes da versão atual, preliminar. Quatro ministérios -MMA, Integração Nacional, Planejamento e Casa Civil- organizaram o grupo anunciado pelo presidente da República no início de maio, com três meses de prazo para o que então se chamou de "programa de desenvolvimento sustentável".
O melhor do PAS é o primeiro volume, de diagnóstico. Recomenda-se a leitura a todos que quiserem entender a problemática socioambiental amazônica, na sua complexidade inevitável. Com 77 laudas de texto corrido, chega a ser uma proeza de concisão, mas pouco acrescenta em matéria operacional. Quem for buscar isso no segundo volume, de sistematização de propostas federais e estaduais, terá muito com que se decepcionar: suas 116 páginas são pouco mais que uma compilação de projetos e mais projetos, sem uma análise de seu efeito combinado sobre o ambiente da região.
O PAS ainda carece da chancela de Ciro Gomes e Marina Silva. Depois, seus patrocinadores no MMA terão de enfrentar a concorrência ou coordenar-se com o grupo envolvido no PAPCDA. Em seguida, dobrar os interesses de governadores incrustados no PPA. Haja "transversalidade", como quer a ministra, para fincar a bandeira ambiental em todos os setores do governo federal.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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