São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2008

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Grupo diz ter detectado sinal da matéria escura

Detector lançado na Antártida registra possível assinatura de partículas de matéria misteriosa ou de novo tipo de corpo celeste

Gregory Guzik
Balão levando o detector de raios cósmicos de alta energia Atic é lançado da plataforma de gelo de Ross, na Antártida

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Um instrumento que acaba de voltar de um passeio de balão na Antártida pode ter finalmente uma resposta a uma das perguntas que mais atormentam os físicos hoje: afinal, do que é feita a matéria escura?
Ele detectou um tipo de energia no espaço que pode ter sido produzido por partículas misteriosas, que só existem até agora em teoria, mas que são fortes candidatas a serem responsáveis por 23% da composição do Universo. Os resultados da medição foram publicados na semana passada na revista "Nature" (www.nature.com) e estão deixando alguns físicos empolgados. Eles são o tiro mais recente numa temporada de caça à matéria escura que pode atingir o alvo -ou não.
Os cientistas já sabem há muito tempo que a matéria que compõe todas as estrelas, planetas e seres humanos é uma minoria cósmica: essa matéria comum, chamada bariônica, responde por menos de 5% dos ingredientes do cosmo.
A maioria da matéria é de um tipo exótico que não pode ser visto nem detectado diretamente -daí o nome "matéria escura". Sabe-se que ela existe porque exerce atração gravitacional sobre as galáxias, em última instância impedindo que o Universo se rasgue à medida que se expande.
Há décadas os físicos tentam descobrir qual é a identidade da matéria escura. Uma das suspeitas é que ela seja formada por Wimps (sigla em inglês para partículas maciças fracamente interativas), entidades também misteriosas que não podem ser detectadas por instrumentos comuns na Terra justamente por não interagirem com nada.
Acontece que os Wimps podem ter um ponto fraco: estudos recentes têm sugerido que, quando se chocam uma com a outra, essas partículas podem se aniquilar mutuamente. "Os subprodutos dessas colisões e aniquilações seriam raios cósmicos muito energéticos", diz o cosmólogo Raul Abramo, da USP. Raios cósmicos são partículas como elétrons, pósitrons (elétrons de antimatéria, com carga positiva) e prótons produzidos por vários fenômenos no espaço e que bombardeiam constantemente a Terra. E os raios cósmicos resultantes da aniquilação da matéria escura podem ser detectados -basta ter o instrumento certo.
Um grupo de pesquisadores liderados por J. Chang, do Observatório da Montanha Roxa, em Nanquim, China, aparentemente desenvolveu o instrumento certo. Eles construíram um detector de raios cósmicos ultra-sensível chamado Atic, e lançaram-no a bordo de um balão a altas altitudes da plataforma de gelo de Ross, Antártida.
A escolha do lugar não foi casual. "Nós estávamos estudando as partículas de mais alta energia dos raios cósmicos", disse à Folha o astrofísico John Wefel, da Universidade da Louisiana (EUA), que integra o grupo de Chang. Para chegar até as partículas raras de alta energia, é preciso que o detector fique no ar o maior tempo possível. Enquanto nos EUA um balão como o que foi usado fica no máximo dois dias voando, na Antártida, graças à circulação dos ventos local -o chamado vórtice polar-, um vôo pode durar "várias semanas", compara Wefel.
O que o Atic trouxe de volta deixou o grupo boquiaberto. Em meio ao nível normal de energia dos raios cósmicos galácticos, o detector registrou um "pico" em um determinado nível de energia. O pico estava exatamente na faixa de energia que as teorias prevêem que seja produzida pela aniquilação mútua das chamadas partículas de Kaluza-Klein, previstas em teoria, que estão entre as principais candidatas a Wimps.
"A coisa parece ser para valer mesmo", disse Abramo. "Dados similares a esse estão aparecendo muito ultimamente." No último dia 7, por exemplo, um grupo britânico publicou o resultado de simulações em computador que até diziam aos físicos aonde olhar em busca de aniquilações de Wimps. O centro da Via Láctea, por ser uma região muito densa, é candidato a ter matéria escura em grande quantidade.

Bom demais
É aqui que começam os problemas com o resultado de Wefel e colegas: a suposta fonte de raios ultra-energéticos detectada pelo Atic não está no centro da galáxia e sim perto da Terra, daí a sua intensidade.
"De certa forma, a intensidade do sinal é forte demais", disse Yousaf Butt, da Universidade Harvard, em comentário ao artigo de Wefel e colegas na mesma edição da "Nature". Segundo ele, para explicar tamanha intensidade seria preciso que o Sistema Solar coincidentemente estivesse atravessando uma região da galáxia onde a matéria escura se aglomera.
O astrônomo Paul Schechter, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), é mais cético. "Há tantos candidatos propostos a matéria escura quanto há teóricos [elaborando-os], talvez mais. Toda vez que vêem um pico inesperado nos dados, saem gritando "matéria escura'", diz Schechter, completando: "Qualquer coisa boa demais para ser verdade é boa demais para ser verdade".
Uma alternativa que o grupo do Atic propõe em seu artigo científico é que a fonte dos raios detectados seja um objeto celestial ainda não-identificado. "Para nós é empolgante de qualquer forma", diz Wefel. "A primeira detecção de um objeto astrofísico próximo que está acelerando partículas de alta energia (empolgante) ou... a primeira detecção da assinatura da aniquilação de matéria escura (também empolgante). A diversão será investigar ambas as explicações e ver qual se provará a correta."


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