São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2008

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+ Marcelo Leite

O clima em Londres


Não há lugar para leviandade sobre o impacto do aquecimento

Mudança climática é para a vida toda, não só para o Natal." Foi com este comentário verbal, bem britânico, que Alex Nickson ilustrou a primeira frase projetada em sua apresentação de slides para o grupo de jornalistas sul-americanos no último dia 12: "Alguma mudança climática já é inevitável".
Nickson é gerente estratégico de Adaptação à Mudança Climática da prefeitura de Londres. Seja por seu cargo, seja pelas mensagens que escolheu para sua fala, fica dado o recado: em Londres há lugar para tudo, menos para leviandades sobre o impacto provável do aquecimento global.
Existe até uma Parceria sobre Mudança Climática de Londres (www.london.gov.uk/climatechangepartnership). Ela reúne mais de 30 organizações no esforço de preparar a cidade para um futuro de ondas de calor mortíferas no verão, enchentes mais comuns, secas e problemas com abastecimento de água. Na liderança está o próprio prefeito, Boris Johnson.
Johnson não é esquerdista nem verde, mas sim um integrante do Partido Conservador. Ele lançou em agosto um relatório preliminar da estratégia de adaptação de Londres que está em discussão na Assembléia da cidade.
No início de 2009, essa estratégia, já revisada, entrará em consulta pública.
Quando aprovada, Londres deverá ser a primeira grande cidade do mundo a ter um planejamento oficial para a mudança climática cuja probabilidade alguns poucos ainda se comprazem em menosprezar.
Fato é que, em paralelo, a Agência Ambiental britânica iniciou um projeto de 16 milhões de libras esterlinas (quase R$ 60 milhões) para avaliar os riscos futuros de inundações no Tâmisa, rio que corta a capital. Segundo Nickson, mais de um terço dos 7,4 milhões de moradores de Londres vive no que era originalmente a planície alagável do Tâmisa.
Metade desses 2,5 milhões de pessoas corre risco de sofrer com inundação. São 481 mil imóveis, 441 escolas, 75 estações de metrô, 49 estações de trem, 46 delegacias, 25 garagens de ônibus, 20 quartéis de bombeiros e 10 hospitais. Está tudo mapeado.
Os ingleses conhecem há séculos as enchentes do Tâmisa. Mesmo em Londres, ele sofre o efeito da maré e, portanto, poderia originar mais inundações com a elevação do nível do mar projetada por cientistas para este século, de menos de 60 cm na média do planeta. Mas sabem também que na foz de seu principal rio essa elevação pode alcançar quase um metro ou, no pior cenário, mais de dois.
Essa ameaça já se encontra sob controle, porém. Desde 1984 Londres conta com a Barreira do Tâmisa, segundo maior obstáculo móvel do mundo para controlar enchentes. Discute-se apenas se ela precisa ser reforçada ou não.
Em São Paulo, temos os nossos piscinões antiinundação. Mas será que eles estão dimensionados para dar conta da precipitação daqui a 50 ou 100 anos? Aliás, alguém sabe dizer se vai chover mais ou chover menos em São Paulo e nas cabeceiras do Tietê, caso a mudança climática se materialize como prevêem os cientistas?
A maior cidade do hemisfério Sul tem, sim, um projeto para adotar uma Política Municipal de Mudança do Clima. Ele está centrado em reduzir emissões de gases do efeito estufa, a chamada mitigação -algo necessário, mas não suficiente.
Como mudança climática não é só para o Natal, está na hora de começar a pensar em adaptação.


O colunista viajou para Londres a convite da Embaixada Britânica no Brasil

MARCELO LEITE é autor dos livros "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007).

Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).

E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br



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