São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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+ Marcelo Leite

Adeus Kyoto, Bali e Copenhague


Os alertas e o Nobel do IPCC pariram um rato anticlimático


E sta é a última coluna de 2007. O ano em que partimos de Paris, fomos a Bali com saudades de Kyoto e não chegamos a lugar algum. Em Paris, no mês de fevereiro, saiu o primeiro relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática). Alarmista na medida certa, muito elogiado e pouco seguido.
Somado ao Nobel da Paz para o IPCC e Al Gore, criou-se a expectativa de que a reunião de Bali, encerrada há uma semana, trouxesse algum avanço sobre o Protocolo de Kyoto. Que nada. O IPCC foi parar na nota de rodapé.
Enquanto isso, 2007 entrou para a lista dos sete anos mais escaldantes de todos os tempos. A década de Kyoto, 1998-2007, é a mais quente desde 1850. A calota de gelo sobre o oceano Ártico teve encolhimento recorde em 2007. Reduziu-se 1 milhão de km2 em relação às mínimas anteriores (2005 e 2006...).
Vai demorar um pouco para cair a ficha, talvez os dois anos que nos separam de Copenhague (ponto terminal do roteiro de Bali). O processo iniciado no Rio, em 1992, e aprofundado em Kyoto, em 1997, está esgotado. As arrastadas reuniões da ONU não têm fôlego para a maratona de cortes nos gases do efeito estufa que a físico-química da atmosfera exige. Segundo o IPCC em seu rodapé, 25% a 40%, até 2020. Isso para termos 50% de chance de não ultrapassar 2C de aquecimento, o limiar de risco de desastre dado como administrável pelos cientistas.
Quem melhor pôs o dedo na ferida de Kyoto foi Sérgio Abranches, no site O Eco. Bali teve resultado decepcionante, assim como Kyoto, segundo ele, porque foi projetado para isso. Como as deliberações nos encontros multilaterais da ONU são por consenso, todos têm poder de veto. Não deixa de ser milagre que alguma coisa se decida nesses convescotes.
Em geral, um mínimo denominador comum, suficiente só para a negociação prosseguir -aleluia!- até o próximo tropeço. A mudança climática não vai esperar. O IPCC foi criado em 1988. Em 1992, no Rio, adotou-se a Convenção de Mudança Climática. Foram necessários cinco anos para negociar sua "regulamentação", na forma do Protocolo de Kyoto, de 1997. O tratado foi inspirado em duas experiências: o Protocolo de Montreal e o comércio de emissões de SO2 nos Estados Unidos.
O primeiro, um tratado de 1987, organizou o banimento internacional de compostos químicos (CFCs) que danificam a camada de ozônio. O segundo, criado em 1990, almeja cortar até 2010 50% da poluição que causa chuva ácida. Em retrospecto, parece ambição demais misturar e aplicar esses dois modelos a um problema infinitamente mais complexo. CFCs afetam muito menos setores que combustíveis fósseis, origem principal dos gases-estufa e base da infra-estrutura energética mundial. E fixar um limite de emissão num país, por meio de um governo instituído, é uma coisa; outra, bem diferente, é fazê-lo no planeta inteiro, sem autoridade central e por consenso. Kyoto vale de 2008 a 2012. Um tratado para substituí-lo depois disso precisa ser decidido até 2009, para dar tempo de todas as partes ratificarem-no até 2013. Não vai acontecer, porém; se acontecer, é difícil que imponha compromissos à altura do que é urgente.
Por revoltante que pareça premiar o maior responsável pelo fracasso de Kyoto e Bali, talvez não haja saída senão apostar fundo nas reuniões propostas por George W. Bush, a partir de janeiro no Havaí. Talvez os 17 maiores poluidores sozinhos, sob o peso da responsabilidade moral por 80% das emissões mundiais, consigam superar em dois anos o impasse produzido por 187 países em duas décadas.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Clones Demais" e "O Resgate das Cobaias", da série de ficção infanto-juvenil Ciência em Dia (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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