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EUA liberam 1º teste com célula de embrião humano
Empresa da Califórnia testará segurança de uma terapia para lesão de medula
Primeira fase dos ensaios clínicos contará com dez pacientes; aprovação por agência americana vem no 3º dia do governo Obama
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Os EUA aprovaram ontem o
primeiro teste em seres humanos de uma terapia à base de células-tronco embrionárias já
feito no mundo. O experimento
será conduzido pela empresa
de biotecnologia Geron, da Califórnia, com o aval da FDA, a
agência que regula alimentos e
fármacos no país.
Nos próximos meses, dez pacientes, com lesões graves na
medula espinhal, receberão injeções de um coquetel celular.
Todos sofreram o dano há pouco tempo, entre 7 e 14 dias, pois
há evidência de que a terapia
não funcione em lesões antigas.
O único objetivo do teste inicial é ver se as células-tronco
embrionárias são realmente
seguras, como já ficou demonstrado em animais. O grande temor é que elas causem tumores
nos pacientes.
Depois de passar por essa
prova inicial, a chamada fase 1,
a técnica será testada quanto à
sua eficácia: qual é o grau da paralisia que pode ser revertido?
Segundo Thomas Okarma, executivo-chefe da Geron, o melhor que se pode esperar da fase
1 é uma leve restauração nas
funções motoras. "Não esperamos pegar uma pessoa totalmente paralisada da cintura
para baixo e tê-la dançando em
seis meses", disse. Nas fases seguintes, doses mais altas poderão ser aplicadas. Mas, mesmo
se tudo funcionar bem, ainda
levará vários anos até que uma
terapia esteja disponível.
Efeito Obama?
A liberação pela FDA ocorre
no terceiro dia de trabalho do
presidente Barack Obama, favorável às pesquisas com embriões. O antecessor dele,
George W. Bush, sempre foi
contra essa linha de pesquisa,
que envolve a destruição de
embriões humanos.
A Geron tenta aprovar o teste
na FDA desde março de 2007.
Okarma disse não ver ingerência política na demora.
Segurança
Vários cientistas nos EUA
têm manifestado preocupações
com a segurança da terapia. "É
consenso na academia que o
ensaio é precoce. Mas a pressão
popular é grande, então é melhor fazer de maneira controlada", disse o brasileiro Alysson
Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego.
Segundo ele, não há ainda um
"padrão-ouro" para esse tipo de
estudo. "Talvez a solução seja
transplantar as células antes
em animais e esperar para ver
se aparece alguma coisa."
Por "alguma coisa" entenda-se teratomas, tumores formados por uma maçaroca de vários tipos de tecido. Eles são
uma espécie de marca registrada das células-tronco embrionárias, aparecem às dúzias e
são difíceis de controlar.
"O momento é este. É um
pouco leviano dizer que é cedo
sem olhar as 21 mil páginas de
documentos enviadas pela empresa à FDA", disse à Folha a
bióloga Lygia da Veiga Pereira,
da USP. Em 2008, juntamente
com Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela foi a primeira cientista
do país a criar uma linhagem de
células embrionárias.
Apesar de achar positivo o fato de os testes poderem ter início, Pereira lembra que a segurança obtida na fase em animais não é garantia de nada.
"Mas este é um momento histórico", disse a cientista, que
em agosto visitou a Geron.
O problema com a experimentação da Geron, entretanto, está no campo científico, diz
Rehen. "O curioso é que quase
ninguém consegue repetir o
protocolo [científico]. Deve haver um pulo do gato que eles [a
empresa] não liberam."
Sigilo
Com um custo altíssimo, por
volta de US$ 40 mil ao mês para
manter todas as células, e dentro de uma mercado competitivo, é natural que a Geron guarde os seus segredos. É o jogo
dentro do setor privado, afirmam os cientistas brasileiros.
"É muito parecido com o desenvolvimento de uma droga
na indústria farmacêutica. Por
isso o sigilo", diz Pereira. "O setor privado também é muito
importante para o desenvolvimento científico", afirma.
Do que já se sabe, e do que
também foi divulgado pela própria empresa, o coquetel feito a
partir das células-tronco embrionárias humanas leva células precursoras de oligodendrócitos, um grupo específico
de células nervosas. São elas
que dão proteção e ajudam a
nutrir os neurônios. No caso da
lesão medular, é exatamente
esse grupo celular que precisa
ser reparado. E essa é a grande
expectativa para o teste.
Com "The New York Times"
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