São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2009

Próximo Texto | Índice

EUA liberam 1º teste com célula de embrião humano

Empresa da Califórnia testará segurança de uma terapia para lesão de medula

Primeira fase dos ensaios clínicos contará com dez pacientes; aprovação por agência americana vem no 3º dia do governo Obama

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Os EUA aprovaram ontem o primeiro teste em seres humanos de uma terapia à base de células-tronco embrionárias já feito no mundo. O experimento será conduzido pela empresa de biotecnologia Geron, da Califórnia, com o aval da FDA, a agência que regula alimentos e fármacos no país.
Nos próximos meses, dez pacientes, com lesões graves na medula espinhal, receberão injeções de um coquetel celular. Todos sofreram o dano há pouco tempo, entre 7 e 14 dias, pois há evidência de que a terapia não funcione em lesões antigas.
O único objetivo do teste inicial é ver se as células-tronco embrionárias são realmente seguras, como já ficou demonstrado em animais. O grande temor é que elas causem tumores nos pacientes.
Depois de passar por essa prova inicial, a chamada fase 1, a técnica será testada quanto à sua eficácia: qual é o grau da paralisia que pode ser revertido? Segundo Thomas Okarma, executivo-chefe da Geron, o melhor que se pode esperar da fase 1 é uma leve restauração nas funções motoras. "Não esperamos pegar uma pessoa totalmente paralisada da cintura para baixo e tê-la dançando em seis meses", disse. Nas fases seguintes, doses mais altas poderão ser aplicadas. Mas, mesmo se tudo funcionar bem, ainda levará vários anos até que uma terapia esteja disponível.

Efeito Obama?
A liberação pela FDA ocorre no terceiro dia de trabalho do presidente Barack Obama, favorável às pesquisas com embriões. O antecessor dele, George W. Bush, sempre foi contra essa linha de pesquisa, que envolve a destruição de embriões humanos.
A Geron tenta aprovar o teste na FDA desde março de 2007. Okarma disse não ver ingerência política na demora.

Segurança
Vários cientistas nos EUA têm manifestado preocupações com a segurança da terapia. "É consenso na academia que o ensaio é precoce. Mas a pressão popular é grande, então é melhor fazer de maneira controlada", disse o brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego.
Segundo ele, não há ainda um "padrão-ouro" para esse tipo de estudo. "Talvez a solução seja transplantar as células antes em animais e esperar para ver se aparece alguma coisa."
Por "alguma coisa" entenda-se teratomas, tumores formados por uma maçaroca de vários tipos de tecido. Eles são uma espécie de marca registrada das células-tronco embrionárias, aparecem às dúzias e são difíceis de controlar.
"O momento é este. É um pouco leviano dizer que é cedo sem olhar as 21 mil páginas de documentos enviadas pela empresa à FDA", disse à Folha a bióloga Lygia da Veiga Pereira, da USP. Em 2008, juntamente com Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela foi a primeira cientista do país a criar uma linhagem de células embrionárias.
Apesar de achar positivo o fato de os testes poderem ter início, Pereira lembra que a segurança obtida na fase em animais não é garantia de nada. "Mas este é um momento histórico", disse a cientista, que em agosto visitou a Geron.
O problema com a experimentação da Geron, entretanto, está no campo científico, diz Rehen. "O curioso é que quase ninguém consegue repetir o protocolo [científico]. Deve haver um pulo do gato que eles [a empresa] não liberam."

Sigilo
Com um custo altíssimo, por volta de US$ 40 mil ao mês para manter todas as células, e dentro de uma mercado competitivo, é natural que a Geron guarde os seus segredos. É o jogo dentro do setor privado, afirmam os cientistas brasileiros.
"É muito parecido com o desenvolvimento de uma droga na indústria farmacêutica. Por isso o sigilo", diz Pereira. "O setor privado também é muito importante para o desenvolvimento científico", afirma.
Do que já se sabe, e do que também foi divulgado pela própria empresa, o coquetel feito a partir das células-tronco embrionárias humanas leva células precursoras de oligodendrócitos, um grupo específico de células nervosas. São elas que dão proteção e ajudam a nutrir os neurônios. No caso da lesão medular, é exatamente esse grupo celular que precisa ser reparado. E essa é a grande expectativa para o teste.

Com "The New York Times"


Próximo Texto: Saiba mais: Bush limitou pesquisa a 19 linhagens
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.