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ENTREVISTA YVO DE BOER
Vai levar mais dois anos para finalizar esse negócio
José Méndez - 10.fev.02/Efe
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O secretário-executivo da Convenção do Clima das NaçõesUnidas, Yvo de Boer, no México
Chefe da ONU para o clima descarta conclusão de acordo contra emissões no México
O SECRETÁRIO-EXECUTIVO da UNFCCC
(Convenção do Clima das Nações Unidas), o
holandês Yvo de Boer, disse, em entrevista à
Folha, que não acredita que um acordo internacional com força de lei contra a mudança climática será finalizado no fim deste ano no México.
"Eu acho que isso vai levar mais dois anos", afirmou em uma
das primeiras entrevistas após anunciar, na última quinta-feira, que deixará o cargo em junho. Segundo De Boer, que admitiu sofrer pressões de governos durante seus primeiros
anos no cargo, a cúpula do clima de Copenhague, em dezembro, foi "um retrocesso de um ano".
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Embora defenda o resultado
de Copenhague, por ter trazido
a mudança climática para o topo da agenda mundial, De Boer,
55, afirmou que o encontro não
produziu o resultado esperado
-e que essa é uma das razões
da sua renúncia.
O principal funcionário da
ONU para o clima disse também que seu estilo franco lhe
rendeu problemas "em duas ou
três ocasiões", quando governos ligaram para o secretário-geral da organização para se
queixar dele. E que é chegada a
hora de um diplomata de um
país em desenvolvimento assumir a Convenção do Clima. Um
nome citado por De Boer foi o
de Everton Vargas, embaixador
do Brasil em Berlim.
FOLHA - O sr. já viu um momento
tão difícil no processo de negociação
do clima como este agora? Já era difícil quando o público acreditava no
assunto. Vai ficar impossível?
YVO DE BOER
- Primeiramente,
eu acho que não há um público
só, mas três. Um de segurança
energética, um de crise energética e um de mudança climática. E acho que a razão pela qual
nós vimos um impulso tão
grande no último par de anos é
que essas três agendas acabaram se juntando, e as coisas
continuarão assim.
Em segundo lugar, embora
Copenhague não tenha produzido um resultado formal, mesmo assim juntou 120 chefes de
Estado e de governo, algo que
aconteceu poucas vezes na história. E isso eu acho que é um
sinal de que esse assunto finalmente chegou onde deveria estar, que é no topo da agenda dos
líderes mundiais.
FOLHA - Mas o Acordo de Copenhague não é um beco sem saída para
as negociações?
DE BOER
- Acho que não. Todos
os países com quem conversei
desde Copenhague -EUA, Europa, Brasil, China, Índia, México, África do Sul- manifestaram uma forte intenção de usar
o conteúdo do acordo para dar
novo sentido às negociações.
Nesse sentido, não acho que ele
seja letra morta. Mas acho que
é importante não inflar o estado do acordo. O fato é que ele
não foi formalmente adotado.
FOLHA - Qual texto será negociado
no México? Serão os textos do KP
(Protocolo de Kyoto) e do LCA (ações
de longo prazo) ou será o próprio
Acordo de Copenhague?
DE BOER
- Continuaremos a negociar com base nos textos que
foram encaminhados pelo KP e
pelo LCA. Muitas decisões estavam próximas de ser finalizadas em Copenhague. Tecnologia, capacitação e Redd [florestas] estavam quase finalizadas,
e há uma segunda categoria de
questões que poderiam ser resolvidas usando o conteúdo do
Acordo de Copenhague, e há
uma terceira categoria de questões em torno das quais as negociações não avançaram muito e precisariam de mais tempo
ao longo do ano que vem.
FOLHA- O sr. poderia ter continuado à frente da convenção. Por que
não assinou no ano passado uma
extensão de três anos do mandato?
DE BOER
- Foi uma extensão de
um ano porque hoje o secretário-geral da ONU pede aos indicados seniores que só fiquem
um ano. O contrato poderia ser
estendido em setembro, se eu
quisesse, mas eu acho que isso
[a negociação] vai provavelmente levar mais dois anos.
Precisamos fazer em Cancún o
que não conseguimos em Copenhague: criar uma arquitetura para implementação sob a
convenção e acordar um segundo período de compromisso para o Protocolo de Kyoto. Então,
no encontro subsequente, daqui a dois anos, na África do Sul,
será possível concluir um novo
instrumento legal.
FOLHA- Só para esclarecer: então o
sr. não acha que teremos um acordo
legalmente vinculante na COP-16?
DE BOER
- Não, não acho. Veja,
minha ambição foi que Copenhague adotasse a arquitetura
necessária para uma resposta
de longo prazo à mudança climática e que um ano mais tarde, no México, ou talvez antes,
isso fosse ser tornado um instrumento legalmente vinculante. Hoje eu acho que o México
terá de fazer o que eu esperava
que Copenhague fizesse. Então, nesse sentido, acho que foi
um retrocesso de um ano.
FOLHA- Então Copenhague foi perda de tempo?
DE BOER
- Não foi uma perda de
tempo porque tivemos sob o
LCA uma decisão guarda-chuva e novos rascunhos de decisões de implementação, houve
acordo ou quase em muitas
áreas, o Acordo de Copenhague
faz referência aos 2C de [aumento máximo de] temperatura, incluiu US$ 100 bilhões para
financiamento e tem vários elementos que podemos usar para
acelerar a negociação.
FOLHA- Quão importante para a
sua renúncia foi o fiasco, se me permite a palavra, de Copenhague?
DE BOER
- O emprego para o
qual estou indo não é algo que
se arranje em seis semanas. Eu
já estava trabalhando nisso antes de Copenhague, assumindo
que haveria um resultado mais
positivo. E, quando este não
veio, pensei se ainda deveria
deixar o secretariado, e meu
sentimento é que, por causa do
valor do Acordo de Copenhague, porque vai levar mais dois
anos para finalizar esse negócio
e por causa do desgaste que esse trabalho envolve, decidi me
ater ao plano original e sair.
FOLHA- O sr. tem um estilo extremamente direto de dizer as coisas
para um diplomata. Isso lhe rendeu
pressões de governos enquanto estava no cargo? Foi parte desse desgaste ao qual o sr. se referiu?
DE BOER
- Sim, houve governos
nos últimos três anos e meio
que ficaram infelizes com coisas que eu disse ou fiz, e houve
duas ou três ocasiões em que
governos ligaram para o secretário-geral da ONU para dizer
que estavam insatisfeitos comigo, mas eu sempre contei com o
apoio total do secretário. Francamente, acho que é importante dizer as coisas como elas são
e, sem exposição pública e sem
lembrar as pessoas de suas responsabilidades, acho que esse
processo teria caminhado de
forma muito mais lenta.
FOLHA- O sr. pode falar mais dessas duas ou três ocasiões?
DE BOER
- Não, isso foi há muito
tempo, nos meus dois primeiros anos. São águas passadas.
FOLHA- Alguma discussão sobre
quem irá substituí-lo?
DE BOER
- Eu sou europeu, minha antecessora era europeia, o
antecessor da minha antecessora é europeu, então talvez seja hora de algo novo. É claro
que isso é uma decisão do secretário-geral, mas eu acho que
provavelmente seria bom ter
neste posto alguém de um país
em desenvolvimento, que entende as preocupações dos países em desenvolvimento.
FOLHA- Tem alguém em mente?
DE BOER
- Não, e isso não é da
minha conta.
FOLHA- O embaixador Luiz Figueiredo se qualificaria?
DE BOER
- Certamente, e muitas
outras pessoas, inclusive meu
velho amigo Everton Vargas.
FOLHA- O que falhou em Copenhague e de quem é a culpa?
DE BOER
- Aconteceu que estávamos trabalhando rumo à
adoção de uma série de decisões e então, quando os chefes
de Estado e governo começaram a chegar, a atenção se desviou para a adoção de uma declaração política, e aquela declaração política foi finalizada
muito tarde e por um grupo
muito pequeno de países. Não
houve oportunidade de convencer os representantes de todos os países de que ela deveria
ser o resultado de Copenhague.
Àquela altura, a conferência
havia durado 24 horas mais do
que deveria, as pessoas estavam cansadas, a tensão estava
elevada e, nesse sentido, foi
bom que o acordo não tenha sido empurrado goela abaixo.
FOLHA- O sr. esperava que as coisas fossem tomar aquele rumo?
DE BOER
- Não, porque uma declaração política não era o que a
maioria dos países desejava. O
que eu esperava era uma série
de decisões que produzissem
um arcabouço forte para uma
resposta de longo prazo à mudança climática e um acordo
para um segundo período de
compromisso do Protocolo de
Kyoto, e nas horas finais de Copenhague as coisas tomaram
um rumo muito diferente.
FOLHA- Qual é o futuro desse processo? Acabaremos com acordos bilaterais entre grandes emissores e a
convenção ficará com a adaptação?
DE BOER
- Acho que não. Acordos bilaterais são importantes
e podem ajudar a avançar o
processo. Mas nos últimos 20
anos se construiu uma imensa
arquitetura em torno da
UNFCCC. Além disso, mesmo
que haja acordos sobre mitigação entre um número limitado
de países, você ainda assim precisará de algum tipo de metodologia para reportar essas
ações, verificá-las e premiá-las
usando o financiamento acordado em Copenhague. Para que
qualquer pacote tenha credibilidade, ele precisa ser aceito pela comunidade mais ampla.
FOLHA- As metas do Acordo de Copenhague nos dariam um aquecimento de pelo menos 3,5ºC. Não deveríamos reconhecer que não atingiremos a meta de 2ºC?
DE BOER- Eu acho que os 2ºC
ainda podem ser alcançados.
Acho que estamos ficando sem
tempo e também acredito que
não podemos esperar mais dois
anos para finalizar as coisas.
Mas, honestamente, não temos
muita escolha. Precisamos reconhecer que Copenhague não
entregou o que muitos países
esperavam que fosse entregar.
FOLHA- A crise no IPCC torna as coisas mais difíceis do ponto de vista do
apoio público?
DE BOER
- Sim. Os erros cometidos pelo IPCC deram aos céticos mais uma oportunidade e
fizeram algumas pessoas questionarem se a mudança climática é realmente algo com o que
se preocupar. Mas acho que os
governos em geral reconhecem
que foram dois erros em um relatório de 3.000 páginas, erros
relacionados à escala dos potenciais impactos da mudança
climática, não à conclusão científica de que as concentrações
de gases-estufa na atmosfera se
relacionam com o aumento de
temperatura, de que ela é induzida por seres humanos e está
nos levando além das fronteiras das mudanças naturais que
vimos no passado.
FOLHA- E o que o sr. acha que a comunidade climática deveria fazer
para recuperar a credibilidade?
DE BOER
- O IPCC tem procedimentos internos muito sólidos,
mas claramente esses procedimentos não foram aplicados
adequadamente. Está na hora
de o IPCC botar a casa em ordem. Um dos problemas é que o
IPCC tem um secretariado minúsculo. A maioria do trabalho
é feita nos três grupos de trabalho do IPCC por cientistas que
trabalham voluntariamente.
Com uma questão tão importante quanto essa, você precisa
ter um secretariado forte e mecanismos de controle fortes.
FOLHA- Ele deve ser tirado de supervisão governamental?
DE BOER
- Acho que a supervisão governamental não é o problema, o problema é que o processo de revisão não foi feito de
maneira suficientemente séria.
O IPCC é um conjunto de 2.500
cientistas que olham para toda
a literatura existente e, com base nisso, tentam chegar a uma
avaliação equilibrada. Jogar tudo isso fora e tentar replicar em
outro lugar seria a medida mais
ineficiente que posso imaginar.
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