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PALEONTOLOGIA
Fósseis com idade entre 9 milhões e 6 milhões de anos ajudam a preencher lacuna na evolução do grupo
Dupla acha primatas mais velhos do país
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um punhado de fragmentos
fossilizados, vindos do Acre, podem ajudar a quebrar uma estranha escrita: o Brasil, país com
maior número de espécies de macacos do mundo, não tem praticamente nenhum registro da evolução desses bichos. A simples descrição dos caquinhos acaba de revelar dois novos símios fósseis, os
mais antigos já descobertos em
território brasileiro.
Os bichos, que na verdade se resumem a alguns dentes e um fragmento de mandíbula, foram descritos por Mario Alberto Cozzuol,
da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul),
e Richard Kay, da Universidade
Duke (Estados Unidos). A idade
dos macacos, batizados de Solimoea acrensis e Acrecebus fraileyi, fica entre 9 milhões e 6 milhões
de anos, estimados graças a outros fósseis de mamíferos e ao antigo pólen presentes na região.
Trata-se de um salto e tanto,
quando se leva em conta que os
primatas brasileiros mais antigos
conhecidos até então não passavam de algumas dezenas de milhares de anos de idade, um mero
espirro em termos geológicos. "É
engraçado, mas alguns lugares
que hoje não têm primatas, como
a Patagônia e certas regiões da
Bolívia, acabam sendo mais ricas
em fósseis de macacos do que o
Brasil", conta Cozzuol.
O problema, explica o pesquisador da PUC-RS, está na preservação dos ossos dos bichos. Fósseis
de primatas nunca são freqüentes
em lugar nenhum, porque os ambientes preferidos deles (principalmente as florestas tropicais)
tendem a ter solos muito ácidos e
com erosão à beça, que devoram
os restos dos animais. Na Amazônia, famosa hoje pela macacada
quase interminável, a situação se
complica ainda mais pelo difícil
acesso aos sítios e pela exposição
limitada dos afloramentos.
"O sítio de origem do Solimoea
fica a 200 km de Rio Branco. A
gente tem de chegar até lá empurrando canoa, porque até um barco pequeno encalha em certas
épocas do ano", conta Cozzuol.
Bochecha
Pode parecer exagerado designar uma nova espécie com base
em tão poucos restos, mas a anatomia dos dentes e do maxilar (no
caso do Solimoea, um molar e
dois pré-molares encravados
num caco da parte da frente da
bochecha direita) costuma ser específica o suficiente para trazer
um caminhão de informações.
A análise desses detalhes revelou que o bicho era um membro
primitivo da subfamília dos atelíneos, o grupo que inclui os maiores macacos americanos vivos hoje (veja quadro à direita). O tamanho dos fragmentos sugere um
bicho de uns 6 kg, mais ou menos
o tamanho de um macaco-aranha
ou macaco-barrigudo moderno.
E os dentes, sem superfícies cortantes, levaram a dupla a estimar
que o bicho provavelmente comia
frutas ou goma de árvore.
De quebra, os pesquisadores
aproveitaram para classificar um
único dente de macaco, achado
nos anos 1970, descrito por Kay
nos anos 1990 e ainda sem nome.
Concluíram que se trata de um
primo dos atuais macacos-pregos
(Cebus apella) -motivo para batizá-lo de Acrecebus. Com uma
diferença importante: a julgar pelo tamanho do molar superior, o
bicho era entre três e quatro vezes
maior do que um macaco-prego,
ou seja, poderia chegar aos 20 kg.
Apesar dos achados da dupla,
um buraco dos grandes ainda
permanece na história. Quando
se olha a América do Sul inteira,
os fósseis mais velhos de primata
(de uma espécie da Bolívia, Branisella boliviana) não passam dos
26 milhões de anos de idade, embora se estime que o grupo tenha
chegado ao continente há cerca de
40 milhões de anos.
De ilha em ilha
A lacuna temporal é só parte do
problema. Nessa época, a América do Sul era um continente-ilha,
solto entre o Atlântico e o Pacífico
desde o Cretáceo (cerca de 100
milhões de anos atrás), e só retomaria sua conexão com a América do Norte e o resto do mundo há
uns 3 milhões de anos.
"Os primatas sul-americanos
devem ter vindo de África, já que
têm um vínculo mais próximo
com as espécies africanas", pondera Cozzuol. Como, ninguém
ainda sabe em detalhe. Pode ser
que o nível do mar tenha caído a
ponto de permitir "saltos" de ilha
em ilha, com os bichos presos a
troncos de árvore, por exemplo.
Em tese, o litoral do Sudeste
brasileiro seria o lugar ideal para
documentar essa chegada. "Não
sei se seria possível acharmos tais
fósseis algum dia", diz o paleontólogo da PUC-RS.
A pesquisa recebeu apoio do
CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e os trabalhos de campo foram realizados em parceria
com a Universidade Federal de
Rondônia (onde Cozzuol trabalhava na época) e com a Universidade Federal do Acre.
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