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Clima sem controle ameaça soberania, afirma cientista
Para australiano Tim Flannery, inação hoje pode levar à limitação forçada das emissões de gases-estufa no futuro
No pior cenário, um órgão
internacional agiria como
um "Big Brother" do CO2,
vigiando nações e pessoas
e cobrando por excessos
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O descontrole sobre as emissões de gases de efeito estufa
hoje pode forçar a humanidade
a fazer esses cortes do pior jeito
no futuro: limitando liberdades
individuais e soberanias nacionais. Um órgão multinacional
criado para controlar o termostato da Terra poderia, por
exemplo, fazer as vezes de um
"Big Brother", regulando atividades como a agricultura e a exploração florestal (que emitem
carbono). Em um caso extremo, controlando a própria população do planeta.
Esse cenário orwelliano é
pintado por Tim Flannery, 51,
paleontólogo australiano que
assumiu a linha de frente da divulgação dos efeitos da mudança climática global.
Seu livro "Os Senhores do
Clima" (Ed. Record), que chega
nesta semana às livrarias brasileiras, usa a "ditadura do carbono" para ilustrar os perigos da
falta de ação dos governos do
mundo na redução dos gases
que causam o efeito estufa.
Segundo Flannery, não começar já a reduzir as emissões
em 70% ou mais (o necessário
para estabilizar a concentração
de CO2 na atmosfera num nível
aceitável) pode significar ter de
fazê-lo muito abruptamente no
futuro, quando desastres climáticos e quebras de safra se
tornarem freqüentes demais.
"Se o problema ficar muito
sério, teríamos de tomar medidas muito duras contra ele. E
nós poderíamos com essas medidas precisar limitar a liberdade dos indivíduos", disse Flannery à Folha. Leia a entrevista.
FOLHA - Os cientistas alertam há
décadas para os riscos da mudança
climática. Por que só agora a questão ganhou tanta popularidade?
FLANNERY - Acho que aconteceram duas coisas. Uma é que a
ciência ficou melhor, e a comunicação da ciência ficou melhor. O filme de Al Gore ["Uma
Verdade Inconveniente"] é um
bom exemplo disso. Mas nós
também estamos vendo mudanças na natureza que as pessoas podem relacionar à mudança climática pela primeira
vez, como secas e furacões.
FOLHA - O sr. diz no livro que a sua
própria "conversão" levou tempo.
FLANNERY - Eu acho que paleontólogos e geólogos geralmente são meio céticos da mudança climática, porque nós
sentimos que o clima certamente muda, mas ele muda ao
longo de um tempo muito grande. E eu subestimava a taxa de
mudança atual e pensava que
levaria centenas de anos até
que ela tivesse algum impacto
no que quer que fosse.
FOLHA - O que o levou a mudar de
opinião?
FLANNERY - Uma solicitação do
governador de meu Estado para "brifá-lo" sobre ciência e
meio ambiente. Isso me fez voltar à literatura científica e comecei a lê-la com mais diligência, mais amplamente do que
eu tinha lido antes. E logo ficou
claro que eu havia subestimado
a mudança climática.
FOLHA - O sr. foi escolhido o Australiano do Ano de 2007 por sua militância ambiental. Como é isso em
um dos dois únicos países ricos que
rejeitam o Protocolo de Kyoto?
FLANNERY - Muito inesperado.
Mas esse reconhecimento não
vem do governo e sim do povo
da Austrália. A maioria dos australianos, 75% de acordo com a
última pesquisa que vi, acreditam que a mudança climática é
uma ameaça séria e que deve
ser atacada independentemente do custo que isso possa ter
para a economia.
FOLHA - O sr. argumenta no livro
que a mudança climática pode limitar as liberdades e os direitos individuais no futuro. Por quê?
FLANNERY - Esse problema afeta a todos os seres humanos. A
atmosfera é um bem comum
global. Então, se o problema ficar muito sério, teríamos de tomar medidas muito duras contra ele. E nós poderíamos com
essas medidas precisar limitar
a liberdade dos indivíduos. Eu
espero que isso não aconteça,
mas se deixarmos que o problema continue a piorar, isso é
uma possibilidade.
FOLHA - Como essa "ditadura do
carbono" funcionaria?
FLANNERY - Vamos pegar um
exemplo muito benigno primeiro. Imagine o caso do Brasil. Se a extração ilegal de madeira fosse medida por satélites
e o custo do carbono liberado
fosse cobrado do governo brasileiro ou dos cidadãos brasileiros por algum tipo de tratado
ou mecanismo internacional.
Esse é um exemplo. Mas poderia ser que nós precisássemos
começar a falar de população.
Obviamente, a população é a
força motriz de todo o problema. Então, poderíamos começar a limitar a população. E você instala um governo global
bem orwelliano. Há várias maneiras pelas quais tendências
indigestas poderiam surgir se o
problema ficar muito sério.
FOLHA - Na semana passada, o
Conselho de Segurança das Nações
Unidas discutiu mudança climática
pela primeira vez. O que se viu foi
um confronto entre Reino Unido e
China. O sr. acha que os países do
Terceiro Mundo ainda têm motivos
para rejeitar metas de redução de
gases de efeito estufa?
FLANNERY - Absolutamente
não. A única base que eles têm
hoje é o fato de que os EUA não
querem compromisso. Todos
nós precisamos ter compromissos em algum nível. E a China já tem feito coisas impressionantes. Eles já têm uma meta de adotar 20% de energias
renováveis, por exemplo.
FOLHA - Na mesma reunião da
ONU, o governo americano citou a
cooperação com o Brasil no álcool
como exemplo de que o país já está
agindo sobre a questão. Bush está
se esverdeando?
FLANNERY - O que conta nessa
questão é que os governos efetivamente governem. E governos
que governam estabelecem
metas claras e caminhos para
alcançar essas metas. E isso é o
que nós não estamos vendo nos
EUA e na Austrália.
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