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Doença genética impede portador de se tornar racista
Crianças com síndrome de Williams ficam hipersociáveis e não conseguem formar estereótipos negativos, diz estudo
Teste comparou grupo que apresentava transtorno a outro saudável; segundo cientista, origem do racismo não tem raízes no DNA
RICARDO MIOTO
ENVIADO ESPECIAL A VALINHOS (SP)
Elas simplesmente não conseguem ser racistas. São as
crianças com síndrome de Williams, um transtorno genético
que as deixa altamente sociáveis e alegres. "Eles acham que
todas as pessoas do mundo são
suas amigas", diz a neurocientista portuguesa Andreia Santos, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
Esse comportamento a fez
levantar a hipótese que ela demonstra agora em um novo estudo. A ausência de medo de estranhos, pensou, poderia fazer
com que essas crianças fossem
incapazes de tratar certos grupos raciais com características
negativas estereotipadas. Depois, pôs a ideia sob teste.
Para tal, ela e seus colegas selecionaram 20 portadores da
síndrome de Williams entre 5 e
16 anos e outros 20 saudáveis.
Todas as crianças eram brancas
e foram estimuladas a associar
ideias positivas (como inteligente ou bonito) e negativas
(feio ou estúpido) a imagens de
pessoas de pele clara ou escura.
As crianças "normais" seguidamente associavam os bons
adjetivos a pessoas brancas como elas. Para as crianças com
Williams, por outro lado, a cor
da pele simplesmente não fazia
diferença. Elas distribuíam os
adjetivos aleatoriamente, ainda
que fossem todas brancas.
Segundo Santos, que publicou estudo sobre a descoberta
na revista "Current Biology",
provavelmente as conclusões
valem também para os adultos
portadores da síndrome. O que
parece estar acontecendo, dizem os pesquisadores, é que
quem tem o problema não possui o chamado medo social, comum entre seres humanos.
O medo social é o que ajuda a
distinguir entre membros do
próprio grupo e membros de
um grupo estranho. Suspeita-se que essa divisão entre "nós"
e "os outros" seja uma das bases
psicológicas profundas dos
comportamentos racistas.
Isso não significa, diz Santos,
que o racismo tenha necessariamente origens genéticas e
que a síndrome as apague.
"Alterações genéticas podem
fazer alguém nascer sem as
mãos e por isso ser incapaz de
tocar piano. Mas não podemos
inferir que exista uma base genética para tocar piano nesse
caso", diz Alysson Muotri, biólogo brasileiro que trabalha
com síndrome de Williams na
Universidade da Califórnia em
San Diego. "O trabalho precisa
ser replicado em grupos maiores e com outras faixas etárias."
Punhado de genes
A síndrome de Williams chama a atenção por dois motivos.
O primeiro se refere ao carisma das crianças portadoras, como a menina Haila Inácio, 6, de
Valinhos, no interior de São
Paulo.
O outro é científico: surpreende como alterações em
uns poucos genes conseguem
mudar radicalmente a maneira
como as pessoas se socializam.
Isso porque a síndrome nada
mais é do que a consequência
da ausência de menos de 30 genes no cromossomo 7.
O impacto dessa ausência
não se resume à amabilidade.
Essas crianças costumam ter
dificuldade para fazer cálculos
e se orientam mal no espaço.
São vulneráveis a problemas
cardíacos e têm dificuldade para controlar a bexiga. Ainda assim, muitas vezes os pais demoram para obter o diagnóstico
correto da síndrome.
"As mães percebem que elas
têm algo diferente, mas pode
demorar até que isso chame a
atenção do médico. Elas têm
uma face bem típica, mas às vezes passa sem diagnóstico. É
uma síndrome rara", diz a médica Chong Kim, do Instituto
da Criança do Hospital das Clínicas. Acredita-se de, em cada
20 mil crianças nascidas, pelo
menos uma têm Williams. Em
comparação, a síndrome de
Down ocorre em um a cada cerca de mil nascimentos.
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