São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 2002

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BIOLOGIA

Traços de carbono de 3,8 bilhões de anos em rocha da Groenlândia não seriam fruto do metabolismo de micróbios

Estudo refuta registro mais antigo da vida

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A evidência de que a vida poderia ter se desenvolvido enquanto a superfície da Terra ainda estava sendo constantemente derretida por impactos violentos de uma chuva de asteróides era mesmo boa demais para ser verdade.
Um estudo publicado hoje na revista americana "Science" (www.sciencemag.org) sugere que a presença de certas distribuições de carbono de 3,85 bilhões de anos em uma pedra da Groenlândia não são resultado do metabolismo de formas de vida antiquíssimas, mas apenas fruto do processo de formação da rocha.
A sugestão de que os traços de grafite (um tipo específico de carbono) fossem biogênicos, ou seja, produzidos por seres vivos, surgiu em 1996, publicada na revista "Nature" por Stephen Mojzsis, da Universidade do Colorado.
Agora, Mojzsis está trabalhando na análise do famoso meteorito marciano ALH84001, no qual a Nasa teria supostamente encontrado sinais de vida. Enquanto isso, Christopher Fedo, um geólogo da Universidade George Washington (EUA), diz que já em 1996 seu colega do Colorado estava querendo tirar leite de pedra -na ocasião, com vida terrestre.
Há 3,8 bilhões de anos, a Terra estava saindo do período mais turbulento de sua história. Meteoros se chocavam contra o planeta constantemente, derretendo o solo e vaporizando qualquer micróbio que por ventura tenha se aventurado a existir. Esse período, que começou há 4,2 bilhões de anos, 350 milhões após a formação do planeta, ficou conhecido como cataclismo lunar (o nome veio do fato de que só o descobriram graças à Lua, que preservou melhor os traços daquela época).
Os cientistas imaginam que só depois do cataclismo a vida pôde se consolidar. Nesse contexto, seria até concebível a idéia de que os traços na rocha da Groenlândia fossem resultado dos primeiros micróbios que evoluíram após os impactos. Mas não é bem assim.
"Os supostos registros fósseis presentes na rocha implicam um metabolismo sofisticado, que teria de ter emergido de formas de vida ainda mais antigas", diz Fedo. Se o caso fosse esse, os ancestrais desses organismos obrigatoriamente teriam de ter vivido durante o cataclismo lunar, uma hipótese bastante improvável.
Embora os pesquisadores continuem acreditando que a vida deva ter se formado por volta de 3,8 bilhões de anos atrás, parece não ter restado pedra sobre pedra. Na lista das descobertas, depois da rocha da Groenlândia, vêm umas pedras da Austrália, que conteriam o mais antigo fóssil morfológico (com a forma do organismo) já encontrado, com 3,4 bilhões de anos. Mas mesmo sobre esses pedregulhos há controvérsia.



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