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ANTROPOLOGIA
Ferramentas na Costa do Marfim formam sítio de um século e lembram os primeiros instrumentos humanos
Chimpanzé deixa registro arqueológico
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Na Costa do Marfim, no meio
da selva equatorial africana, pesquisadores acabam de trazer à luz
um grande sítio arqueológico,
com centenas de instrumentos de
pedra e evidências de uma complexa atividade de subsistência,
baseada na coleta e processamento de nozes. Detalhe: o "povo" que
deixou esse registro foram chimpanzés. Há exatos 110 anos.
A escavação é a primeira a revelar um registro arqueológico de
criaturas que não são humanos
nem hominídeos (os ancestrais
da humanidade). E pode dar pistas para interpretar alguns dos
mais antigos instrumentos da linhagem do Homo sapiens, que
são parecidos com as ferramentas
encontradas na Costa do Marfim.
"Ninguém nunca observou o
comportamento exato que produziu as ferramentas mais antigas
dos hominídeos", disse à Folha
Melissa Panger, da Universidade
George Washington, nos EUA,
autora do estudo que sai hoje na
revista científica "Science"
(www.sciencemag.org).
"Por isso é difícil interpretá-las.
Mas algumas das ferramentas
desse sítio são muito parecidas
com as da cultura olduvaniana [a
mais antiga técnica de produção
de ferramentas por hominídeos,
com cerca de 2,5 milhões de
anos"", afirma Panger. Isso indica
que, se alguém estiver coçando a
cabeça para imaginar que diabos
faziam esses pioneiros do artesanato, a resposta pode ser bem
simples: quebrando nozes.
A coisa, claro, funciona no outro sentido: achar sítios parecidos
com os dos chimpanzés, mas com
alguns milhões de anos de idade,
poderia recuar a data do uso de
ferramentas na família humana.
"É difícil dizer quanto, mas é possível que isso chegue até o ponto
de divergência evolutiva entre humanos e chimpanzés, há 6 ou 7
milhões de anos", diz Panger.
Instrumentos de precisão
É melhor dizer o uso, e não a fabricação de ferramentas, porque
os chimpanzés no Parque Nacional Tai, estudados por Panger e
por seus colegas Julio Mercader e
Christophe Boesch, apenas escolhem as pedras mais adequadas
para quebrar as nozes da árvore
Panda oleosa, as mais difíceis de
quebrar da África ao sul do Saara.
Os bichos escolhem pedras que
têm entre 3 kg e 15 kg para a tarefa, às vezes transportando-as por
quase um quilômetro. Enquanto
elas servem como "martelo", os
chimpanzés escolhem também
uma "bigorna" -em geral, uma
raiz de árvore- que serve de
apoio para a noz a ser esmigalhada, com todo o cuidado para não
quebrar a cobiçada castanha.
Esse processo todo leva sete
anos para ser aprendido, conta
Panger. "Parece muito simples,
mas eles precisam aprender exatamente que força e velocidade
usar. Se a pedra for pesada demais
ou se eles exagerarem na força,
acabam perdendo a comida", diz
a primatologista.
"É claramente um comportamento cultural. Apenas os chimpanzés da África Ocidental quebram nozes para conseguir alimento", afirma a pesquisadora.
Não que o repertório deles seja limitado: eles costumam usar uma
variedade de artefatos à base de
vegetais, como "copos" de folhas
para recolher água da chuva ou
capim para caçar formigas.
O achado também revelou que
as lascas dos "martelos" se parecem muito com os primeiros instrumentos cortantes de hominídeos. A humanidade, sugerem os
pesquisadores, pode muito bem ter inventado a faca numa simples
sessão de quebra-nozes.
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