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Floresta pode ajudar a tirar o Brasil da crise financeira
País pode ser "melhor que a Suécia" se investir em uso sustentável, diz diretor do Bird
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O BRASIL pode dar um salto de desenvolvimento se aproveitar a farra de gasto público ocasionada pela crise econômica
global para investir em três setores: reforma na Previdência, inovação tecnológica e... preservação ambiental. Quem sugere essa receita inusitada
não é um ambientalista maluco, mas sim um dos caciques do Banco Mundial, o economista indiano Vinod
Thomas, 59. Na semana passada, ele apresentou no
Fórum Nacional, no Rio, uma análise sobre como os
Brics (Brasil, China, Índia e Rússia) podem fazer frente às duas crises que se abatem ao mesmo tempo sobre
o mundo, a financeira e a climática. E disse que o Brasil investe pouco ou investe errado justamente na área
em que teria mais vantagem sobre os outros países: o
uso sustentável de seus recursos naturais.
Leia a seguir a entrevista que
Thomas concedeu à Folha na
última quinta-feira, num hotel
em São Paulo.
FOLHA - O sr. propõe que a resposta brasileira à crise seja baseada
num tripé: reforma da Previdência,
inovação tecnológica e uso da floresta. Como assim?
VINOD THOMAS - Esta é uma crise que pode ser desdobrada em
duas. Uma delas é a crise financeira. Há uma resposta financeira sem precedentes a essa
crise, na forma de expansão fiscal. A segunda crise é o aquecimento global. Se permitirmos
que se instale plenamente, será
várias vezes maior que a crise
financeira. Os países têm agora
uma oportunidade de investir a
expansão fiscal de um jeito diferente. Muito raramente você
consegue de 2% a 5% de aumento nos gastos fiscais em
tempos normais. Hoje, essa expansão para 2009/2010, nos
países do G20, é de 5% do PIB.
Como isso será investido? Vai
ser a mesma coisa de sempre?
FOLHA - Há diferenças fundamentais entre ambas as crises, não? A financeira é um problema da economia, e o aquecimento global se deve
a fatores que não entram normalmente nos cálculos econômicos.
THOMAS - A crise financeira
que o Brasil, a Índia e a China
enfrentam hoje é resultado da
ação dos países industrializados. A crise do clima também é
resultado primariamente da
ação dos países industrializados no passado.
FOLHA - De volta ao Brasil...
THOMAS - O Brasil está numa
posição na qual pouquíssimos
países estão hoje. Numa comparação entre os Brics, em três
décadas, o Brasil teve taxas de
crescimento modestas. A grande melhora do Brasil foi na distribuição de renda. Se a crise tivesse batido no país há dez
anos, ela seria muito, muito
mais grave. Por que então eu digo que não basta cuidar da crise
financeira? Quando os países
saírem desta crise, haverá mais
ganhos de eficiência em toda
parte. É possível que a geração
de empregos seja atingida gravemente por causa disso.
Então, para ser competitivo,
criar empregos e lidar com os
efeitos climáticos, o Brasil tem
uma oportunidade de revisar
sua estratégia de crescimento.
O Brasil tem uma vantagem
enorme em três áreas onde ele
não está investindo ou está investindo mal.
Veja a proporção entre gastos do governo em bens públicos divididos por bens privados, que incluem a Previdência.
Bens públicos incluem infraestrutura, educação, ambiente e
coisas assim. Essa razão deveria ser alta, não baixa. O Brasil
tem a razão mais baixa entre os
Brics. O governo investe mais
em coisas privadas -subsídios
a capital, crédito dirigido, previdência e gastos burocráticos
- do que em coisas públicas.
O Brasil tem mais
terra, água e
floresta per capita
do que qualquer
outro país, então
deveria estar
investindo, não
destruindo
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Em segundo lugar está a inovação. Em inovação, patentes
ciência e tecnologia, o Brasil
poderia ter uma vantagem, mas
investe pouco.
FOLHA - Como mudar?
THOMAS - O setor privado precisa embarcar, não o governo. O
Brasil mostrou fagulhas na
ciência e na indústria muito
mais altas que na Índia. No setor aeronáutico, por exemplo.
Mas é algo que não se dissemina, porque reflete a má distribuição da educação no passado.
A terceira é a área na qual o
Brasil tem a maior força no
mundo: recursos naturais. Não
há dúvida de que esses recursos
serão cada vez mais valorizados
nos próximos 50 anos. O Brasil
tem a razão mais favorável de
terra, água e floresta per capita
do que qualquer outro país, então deveria ser uma área na
qual o país estivesse investindo,
não destruindo! Mas essa área
tem uma dificuldade: ela depende da valoração global de
recursos como o carbono de
florestas. E o mercado para isso
não está desenvolvido.
FOLHA - A expressão "capital natural" pode se aplicar tanto a terras
para agricultura quanto a florestas
em pé. E, hoje, essas duas definições
estão em conflito no Brasil.
THOMAS - Se investir em terra
significar destruir floresta, você ganha de um lado e perde do
outro. Se a coisa fica só na mão
dos agentes privados locais e
não há direitos de propriedade,
esses agentes explorarão a terra e destruirão a floresta. Se há
direitos de propriedade e a valoração reflete o que o Brasil
pode ganhar do global ao longo
dos anos, o valor de cortar a floresta fica reduzido.
Há um cálculo comparando o
valor de um hectare de pasto
com um hectare de carbono:
são US$ 200 contra US$ 10.000
por ano. A questão é: se é assim,
por que não acontece? Um,
porque os direitos de propriedade não são claros. Dois, há
um conflito entre Estados e o
país. Três, há um conflito entre
o país e o global, porque o mercado global de commodities
transfere imediatamente para
o país o valor dos grãos e não reflete o valor da floresta.
FOLHA - Preservar é trocar dinheiro
certo e saldo comercial positivo por
uma possibilidade futura, não?
THOMAS - Na velha mentalidade, você precisava eliminar a
floresta para criar gado. Hoje
nós temos evidências de que
ambos podem coexistir em
grandes extensões. Há exemplos na Amazônia colombiana.
Mas, se a situação ficar como
está, os ganhos futuros pela
preservação da floresta serão
muito reduzidos, e o Brasil jogará fora a maior carta que tem,
que é a mesma que a Escandinávia tinha, para se desenvolver de maneira dramática.
FOLHA - Como funcionou lá? O Brasil poderia virar uma grande Suécia?
THOMAS - O Brasil pode ser melhor que a Suécia, porque a Suécia tem uma fração da floresta
que o Brasil tem. Mas o Brasil
precisa de três coisas que a Escandinávia teve: um, práticas
sustentáveis de extração de
madeira; dois, investir os ganhos no aumento do valor agregado da cadeia produtiva.
O Brasil pode ser
melhor que a
Suécia, porque a
Suécia tem uma
fração da floresta
que o Brasil tem
Há espaço para
fazer infraestrutura
muito mais
sustentável. Mas
qual país faz do jeito
certo? A China faz?°
A Índia faz?
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A Nokia começou como uma empresa madeireira. E três uma mudança de pensamento, no sentido de achar que proteger florestas é desenvolvimento, em
vez de pensar que você tem de
eliminar os recursos naturais
para se desenvolver.
FOLHA - Então, por essa lógica, o
Ministério do Meio Ambiente deveria ser o que tem mais verba, não um
dos que têm menos...
THOMAS - Esse é o paradoxo.
Recursos naturais, ambiente,
água e até turismo deveriam ser
áreas de reforço, onde você iria
querer muito, muito mais investimento -tanto do governo
quanto do setor privado.
FOLHA - O sr. critica no seu artigo
um "retrocesso" na mudança de
uma lei para permitir a pavimentação da BR-319, que corta uma extensa área preservada na Amazônia,
sem estudo de impacto ambiental.
A infraestrutura no Brasil ainda é
feita com a mentalidade antiga?
THOMAS - [pausa] Há espaço
para fazer infraestrutura com
sustentabilidade muito maior.
Mas a questão é: qual país faz
do jeito certo? A China faz? A
Índia faz? Ninguém faz! É por
isso que eu uso o termo "liderança": o Brasil poderia ser líder em combinar infraestrutura com preservação ambiental.
FOLHA - Falta visão ao governo?
THOMAS - Vamos pular o governo! [risos] O que você tem a ganhar com mais cuidado ambiental no Brasil é muito mais
do que na China ou na Índia. O
planejamento ambiental faz
mais diferença para o Brasil do
que para esses países.
FOLHA - Pode dar um exemplo?
THOMAS - Maiores esforços para combinar gado e floresta, por
exemplo. O Brasil tem muito a
ganhar. Na Índia e na China
não sobrou muita coisa.
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