São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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Senador quer anular proteção a Abrolhos

Sócio de empresa com interesses na região é co-autor de decreto que susta zona de amortecimento do parque marinho

Parlamentar evoca até aquecimento global para justificar empreendimento de criação de camarões e diz não ver conflito de interesse


CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Um grupo de seis senadores da Bahia e do Espírito Santo elaborou um decreto legislativo com a intenção de anular a chamada zona de amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Um dos parlamentares é sócio de um polêmico empreendimento de criação de camarões que, segundo o Ibama e ambientalistas, ameaça os manguezais da região.
O senador João Batista Motta (PSDB-ES) é um dos sócios da Coopex (Cooperativa dos Criadores de Camarão do Extremo Sul da Bahia). A empresa quer implantar no sul da Bahia, entre os municípios de Caravelas e Nova Viçosa, o maior projeto de carcinicultura (criação de camarão) do Brasil, numa área de 1.500 hectares e com investimento de R$ 60 milhões.
O projeto tem apoio do governo da Bahia e enfrenta oposição de organizações ambientalistas como a Conservação Internacional e o Instituto Baleia Jubarte (reunidas na Coalizão SOS Abrolhos), e do Ibama. Eles temem que a carcinicultura vá contaminar com esgotos os mangues que servem de berçário a várias espécies de peixe que habitam o banco dos Abrolhos, o maior conjunto de recifes de coral do Atlântico Sul.
Em maio, o órgão ambiental federal publicou uma portaria estabelecendo a chamada zona de amortecimento do parque, numa faixa de litoral de mais de 200 km entre Bahia e Espírito Santo. Nessa região fica proibida a exploração de petróleo e gás natural, e qualquer atividade econômica com impacto ambiental passa a depender de anuência do Ibama e do conselho gestor do parque nacional -o que dificultaria a instalação do projeto da Coopex.
O Projeto de Decreto Legislativo nš 328/2006, que busca cancelar a zona de amortecimento, é de autoria dos senadores baianos Antônio Carlos Magalhães (PFL), César Borges (PFL), Rodolpho Tourinho (PFL), e dos capixabas João Motta, Marcos Guerra (PSDB) e Magno Malta (PL). Ele diz que a portaria do Ibama está "eivada de vícios", e que "o presidente do Ibama exorbitou suas funções ao restringir atividades na zona de amortecimento" do parque de Abrolhos.
O superintendente do Ibama na Bahia, Júlio Rocha, discorda: "Da perspectiva de análise legal, o Ibama nada mais fez do que cumprir a legislação e a Constituição", afirmou.
Segundo Rocha, no entanto, o Senado tem a prerrogativa de emitir esse tipo de decreto. Se aprovado em plenário, nem o Presidente da República pode vetá-lo. "Não esperamos que seja aprovado", disse.

"Merreca"
O senador João Motta não esconde que é sócio da empresa de carcinicultura. "Eu tenho uma merreca de 50 hectares na Coopex, que eu comprei porque achei que fosse um bom negócio". E afirma não ver "em absoluto" nenhum conflito de interesses entre sua atuação como empresário e o poder de sua caneta como parlamentar.
Motta diz que assinou a proposta de decreto "por entender que é um desrespeito criar área de proteção que implica em desapropriação de propriedades privadas por uma portaria de um diretor do Ibama". Segundo o senador, o objetivo maior do decreto é não inviabilizar a prospecção de gás natural no ES, proibida pela portaria.
O parlamentar acusa os ambientalistas de serem "testas-de-ferro de organizações internacionais que querem impedir o desenvolvimento do Brasil".
Diz ainda que a carcinicultura é sustentável porque reusa a água e ficará longe do mangue. E improvisa um discurso "científico" para defendê-la. "Só o que eles querem é tirar água do mar. E, com o derretimento das calotas polares, isso é a coisa mais sensata que se faz."


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