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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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Acordo para uso de Alcântara pelos EUA é polêmico

MAURICIO TUFFANI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O programa do VLS nunca foi visto com bons olhos pelo governo dos Estados Unidos, que tem alegado a possibilidade de uso militar do foguete. Esse receio é agravado pelo fato de o Brasil ter fornecido mísseis ao Iraque.
Nos anos 80, os países-membros do clube espacial se recusaram a repassar tecnologia para o programa brasileiro. Foram dificultadas as importações de diversos equipamentos, como a do supercomputador que hoje é usado para previsão do tempo e estudos climáticos no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em Cachoeira Paulista (SP).
Apesar de todas essas restrições, os americanos têm interesse em usar a base de Alcântara para lançar satélites. Por ser próxima da linha do Equador, ela permite lançamentos espaciais com grande economia de combustível.
Se tudo corresse como inicialmente previsto no acordo, o primeiro lançamento viria em 2005. Mas o "acordo de salvaguardas" assinado entre Brasil e Estados Unidos para uso da base ainda não foi ratificado pelo Congresso e enfrenta forte resistência. Algumas de suas cláusulas são consideradas lesivas à soberania.
Situado no Maranhão a apenas 2,3 graus ao sul do Equador, o CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara) é a base de melhor localização no mundo. Ela supera até mesmo o centro de lançamento de Kourou, na Guiana Francesa, a 5,6 graus ao norte do Equador, onde é feita a maior parte dos lançamentos de satélites da ESA (Agência Espacial Européia).
A Ucrânia também tem interesse no uso do CLA. Uma delegação ucraniana está em Brasília desde segunda-feira passada para negociar o acordo.
Os ucranianos pretendem utilizar o foguete Cyclone-4, do mesmo nível do Ariane-4 francês e do Delta-2 americano.
O lançador ucraniano consegue pôr até três toneladas em órbita geoestacionária (em que o satélite acompanha a rotação da Terra, ficando sempre sobre o mesmo ponto na superfície terrestre), onde ficam os principais satélites de telecomunicações.

Cláusulas críticas
O acordo com os EUA prevê que o Brasil não poderá aplicar no seu próprio programa espacial os recursos obtidos com o uso do CLA aos norte-americanos. A verba, prevista em US$ 5 milhões por lançamento, só poderá ser usada no desenvolvimento e manutenção de portos, aeroportos, linhas férreas, sistemas de comunicação relacionados com a base.
Segundo uma análise da Liderança do PT na Câmara dos Deputados, com essa cláusula os norte-americanos seriam "duplamente beneficiados", pois não só dificultariam o desenvolvimento do programa espacial brasileiro, que é um possível concorrente no mercado de lançamento de satélites, assim como aproveitariam de todas as melhorias da infra-estrutura da base
Outra cláusula que provoca pesadas críticas ao acordo estabelece que o centro de lançamentos terá áreas sob controle direto e exclusivo dos norte-americanos e prevê que o governo dos EUA poderá realizar inspeções sem prévio aviso ao Brasil não só nas áreas restritas, mas também nas demais instalações da base.

Trâmite no Congresso
Assinado em abril de 2000, o acordo foi rejeitado em agosto de 2001 pelo então deputado Waldir Pires (PT-BA), hoje corregedor-geral da União, em seu parecer para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. "O acordo é uma violência à soberania nacional, é profundamente inconveniente aos interesses do povo brasileiro", disse Pires.
Apesar do parecer desfavorável do relator, o acordo foi aprovado três meses depois pela comissão. No ano seguinte, em abril, a proposta teve nova aprovação, dessa vez pela Comissão de Ciência e Tecnologia. Desse modo, ficou faltando na Câmara dos Deputados a apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça.
Em fevereiro desta ano, já na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Defesa, José Viegas Filho, anunciou a intenção de negociar com os membros da Comissão de Defesa da Câmara uma revisão do acordo com os EUA. Em março, o ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, disse que havia um "consenso" para renegociar algumas cláusulas do acordo.
Entre as cláusulas que poderiam ser renegociadas, Amorim citou o artigo que proíbe o Brasil de fazer acordos do mesmo tipo com outros países. Segundo ele, esse tipo de exigência é política e não tem nada a ver com a proteção de tecnologias.
Apesar de ainda não haver uma decisão de governo, existe, no entanto, um consenso entre os ministros das Relações Exteriores e da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, de que é preciso mudar as regras para o uso da base.

Restrições pendentes
Em 2001, o então ministro Ronaldo Sardenberg (Ciência e Tecnologia) disse que, ao negociar nos EUA o acordo para uso da base de Alcântara, os americanos queriam que o Brasil desistisse do VLS. Ele afirmou à revista "Veja" ter respondido que não havia ido lá para negociar o VLS, mas para começar a negociar lançamentos a partir de Alcântara com uso de tecnologia americana protegida.


Colaborou a Sucursal de Brasília

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