|
Próximo Texto | Índice
Truque inusitado faz sapo resistir à secura do sertão
Enzima "blindada" permite que bicho viva sobre solo com 50C de temperatura
Estudar o comportamento dos anfíbios da caatinga serve para conhecermos bons modelos fisiológicos contra a seca, diz grupo
Portal do MEC
|
|
Sapos da espécie Rhinella granulosa, da caatinga, em cópula
REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDOIA (SP)
O sertanejo é antes de tudo
um forte. Principalmente se ele
for um anfíbio tentando sobreviver na caatinga, como mostra
o trabalho de um pesquisador
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). As pesquisas com um sapo e uma perereca habituados à secura do sertão estão revelando truques fisiológicos e comportamentais
inusitados, que permitem aos
bichos aguentar a falta d'água.
José Eduardo de Carvalho,
da Unifesp de Diadema (Grande São Paulo), apresentou resultados recentes de seus estudos sobre o tema na reunião
anual da Fesbe (Federação de
Sociedades de Biologia Experimental), que terminou sábado
em Águas de Lindoia (SP).
Não é preciso quebrar muito
a cabeça para entender por que
a caatinga exige um esforço de
sobrevivência extra dos anfíbios. A maior parte desses bichos depende da disponibilidade de água para se reproduzir,
já que suas larvas, os girinos, só
sobrevivem no líquido. Além
disso, a pele desses vertebrados
tende a permitir a troca direta
de substâncias com o ar.
Nó na lógica
Contudo, as observações de
Carvalho com o sapo sertanejo
Rhinella granulosa subvertem
essa lógica. "Os juvenis da espécie, depois de concluírem a
metamorfose [de girino para
sapo], passam toda a estação
seca ativos. São sapos pequenininhos pulando num solo com
50 C de temperatura", contou
o pesquisador à Folha.
O que acontece, ao que tudo
indica, é que as enzimas (proteínas aceleradoras de reações
químicas) que regem o ciclo
respiratório dos sapinhos são
capazes de resistir intactas a
essas temperaturas, que derrotariam qualquer ser humano.
"A gente ainda não sabe como ele consegue isso", afirma
Carvalho. A hipótese do pesquisador é que outras substâncias, as chamadas chaperonas,
formam um invólucro que impede as enzimas de simplesmente derreter. O interessante
é que o sapo adulto, de porte
mais avantajado, perde o gosto
pela vida no limite e adota hábitos noturnos.
A situação da perereca Pleurodema diplolistris é ainda mais
inusitada. Em ambientes secos,
muitos animais adotam a chamada estivação, que pode ser
considerada a "irmã gêmea" da
hibernação em ambientes onde o calor intenso, e não o frio,
é o inimigo. Animais que estivam também podem ficar numa espécie de animação suspensa até o calor amainar.
Mas não a P. diplolistris.
"Considera-se que o bicho estiva, mas na verdade nós vimos
que ele, ao se enterrar, fica se
movendo o tempo todo, buscando as áreas do solo arenoso
onde há mais umidade", diz
Carvalho. Seria um tipo de estivação com "insônia".
Carvalho faz parte do recém-criado Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia em Fisiologia Comparada, iniciativa
que reúne diferentes centros
do Brasil. As pesquisas que o
grupo conduz vai muito além
da curiosidade pelo inusitado.
"Os animais que estudamos
podem ser modelos interessantes de diversas situações fisiológicas", diz outro membro do
instituto, Luciano Rivaroli, da
Universidade Federal de São
João del Rey (MG).
Próximo Texto: Ecologia: Pacífico mais quente pode ter matado 200 leões-marinhos Índice
|