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Agricultura amazônica pode chegar a 8.000 anos
Data obtida em sítio de Rondônia é uma das mais antigas da América
Indício vem da presença
de terra preta, solo que
surge em uso intenso
da vegetação; obra de
usina possibilita achado
Silva Júnior/Folhapress
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Arqueólogo Eduardo Bespalez mostra pedaço de cerâmica decorada que acaba de ser desenterrado na ilha do Japó, no rio Madeira, perto de Porto Velho; sítio da ilha tem terra preta
REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO VELHO
O sítio arqueológico conhecido como Garbin não
existe mais. Tragado pelas
obras da Usina Hidrelétrica
Santo Antônio (RO), em seu
lugar ficará o vertedouro da
barragem -uma espécie de
válvula de escape da usina.
Antes que o sítio sumisse,
porém, arqueólogos desenterraram ali sedimentos e artefatos que podem indicar
que a agricultura na Amazônia foi "inventada" há uns
7.700 anos -uma das datas
mais antigas do continente, e
a mais velha do Brasil.
A pista de que a técnica foi
dominada em época tão remota é indireta, mas forte.
Trata-se da chamada terra
preta (veja infográfico à direita), solo rico em matéria orgânica que, até onde se sabe,
só surge com o acúmulo
constante de dejetos de origem animal e vegetal, característico do uso intensivo
desses recursos.
"Se não era agricultura
propriamente dita, eles, no
mínimo, estavam fazendo
um manejo intenso dos recursos vegetais", diz o arqueólogo Renato Kipnis, sócio da empresa Scientia Consultoria Científica e um dos
coordenadores do trabalho.
AO RESGATE
Kipnis e seus colegas andam zanzando para cima e
para baixo da BR-364, perto
de Porto Velho, desde 2008.
Por lei, as compensações ligadas a uma usina do porte
da de Santo Antônio, no rio
Madeira, exigem o resgate de
possíveis bens de interesse
arqueológico que apareçam
na construção. A empresa do
arqueólogo venceu a licitação para fazer o serviço.
"Imagine só quando percebemos que os principais sítios estavam bem no canteiro
da obra", brinca Ricardo
Márcio Martins Alves, gerente de sustentabilidade da
Santo Antônio Energia. "Mas
logo conseguimos nos organizar para que o trabalho dos
arqueólogos fosse feito."
A equipe da Scientia descobriu que, em paralelo com
a rodovia moderna, corria
uma hidrovia pré-histórica.
A calha do Madeira na região
está coalhada de sítios, que
abrangem ambas as margens
do rio e também as ilhas e pedrais (rochas de corredeiras)
no meio do leito. Há gravuras
rupestres, cerâmica decorada, artefatos de pedra e terra
preta para dar e vender.
"O incomum é que no sítio
Garbin havia terra preta associada a artefatos de pedra,
e não a cerâmica", diz a arqueóloga gaúcha Silvana Zuse, que integra a equipe.
Vasculhar esses instrumentos em busca de restos
vegetais microscópicos pode
indicar o que, afinal, os moradores do Garbin cultivavam. A aposta mais óbvia:
mandioca, a lavoura amazônica por excelência.
"É chato saber que vários
sítios vão sumir. Mas, se não
fosse pela obra, dificilmente
teríamos tanta verba para
trabalhar aqui", diz a geóloga Michelle Mayumi Tizuka.
O jornalista REINALDO JOSÉ LOPES viajou a
convite da Santo Antônio Energia
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