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ENTREVISTA
YVO DE BOER
Brasil está pronto para reduzir suas emissões
Chefe da Convenção do Clima da ONU diz ver "vontade política real" para avançar no combate ao aquecimento da Terra
Thierry Charlier/France Presse
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O secretário-executivo da Convenção do Clima, Yvo de Boer |
MESMO que não aceite metas obrigatórias, o Brasil está pronto para limitar
suas emissões de gases de efeito estufa
de maneira mensurável. A avaliação é
do holandês Yvo de Boer, secretário-executivo da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. "O Brasil está disposto a adotar medidas
reais e verificáveis para reduzir suas emissões", afirmou o diplomata.
LETÍCIA FONSECA-SOURANDER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BRUXELAS
A dez dias da COP-13, a Décima Terceira Conferência das
Partes da Convenção do Clima,
que deverá iniciar as negociações para um acordo que substitua o protocolo de Kyoto após
2012, De Boer se diz otimista.
Ele afirma que o encontro, que
será realizado em Bali, Indonésia, vai conseguir definir uma
agenda e fixar o ano de 2009 como data para completar o processo negociador.
Em relação aos países em desenvolvimento, cujas emissões
de gases que esquentam o planeta crescem em ritmo acelerado, De Boer afirma que há uma
tendência entre eles de aceitarem a idéia de compromissos
voluntários para limitar as
emissões. Esses países são desobrigados de metas de redução por Kyoto, e têm resistido a
adotá-las em nome do "desenvolvimento". Leia a seguir entrevista que De Boer concedeu
à Folha:
FOLHA - O aquecimento global é
um fato e as emissões dos gases que
provocam o efeito estufa estão
maiores do que nunca. O que tem sido feito para limitar as mudanças
climáticas até agora parece, então,
totalmente inadequado. Qual é a
sua opinião sobre isso?
YVO DE BOER - Sim, as emissões
dos países industrializados
continuam a aumentar. Mas os
países também adotaram políticas e medidas para atingir as
metas do Protocolo de Kyoto.
No entanto, mesmo se as nações industrializadas alcançarem esse objetivo, isto vai significar apenas um pequeno passo
em direção aos desafios ambientais a longo prazo. Para isso, é preciso que os governos
optem por metas mais ambiciosas e que os principais países
em desenvolvimento ajam, voluntariamente, para limitar o
crescimento de suas emissões
em troca de [poderem gerar]
créditos internacionais de carbono [pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto, pelo qual países ricos com metas a cumprir
pagam por reduções realizadas
nos países pobres].
FOLHA - O que o sr. acha do nível de
consciência do problema entre as
pessoas?
DE BOER - Acredito que ainda
não existe consciência suficiente no mundo sobre as mudanças climáticas e como essas
alterações vão ter impacto em
diferentes países e comunidades. Como nós já podemos ver
cada vez mais sinais dessas mudanças climáticas, a percepção
está crescendo. Talvez de maneira mais rápida nos países em
desenvolvimento, onde as pessoas são menos capazes de se
proteger dos efeitos do aquecimento. Mas precisamos fazer
mais para aumentar a conscientização.
FOLHA - As pessoas estão suficientemente dispostas a mudar o estilo
de vida?
DE BOER - As pessoas podem
mudar seus hábitos sem pôr
fim ao estilo de vida. É preciso
ser consciente quando se compra um carro. Saber o quanto
de gasolina ele vai consumir e a
quantidade de CO2 que vai emitir. Ao comprar uma nova geladeira, é preciso escolher o modelo que consome menos energia. É importante olhar dentro
de casa e desligar os aparelhos
que estão ligados sem necessidade, além de substituir as
lâmpadas tradicionais. Se você
decidir viajar de avião nas férias, viaje, mas tente ajudar
projetos de reflorestamento,
por exemplo, que vão compensar as emissões de CO2 do seu
vôo.
FOLHA - Na época da Eco-92, o ex-presidente dos Estados Unidos,
George Bush, disse que o estilo de vida americano não era negociável. O
sr. acha que agora é?
DE BOER - Não penso que o estilo de vida seja negociável, mas
acho que as pessoas ainda gastam uma imensa quantidade de
energia dirigindo carros enormes, colocando o ar-condicionado em temperaturas muito
baixas e utilizando aparelhos
eletrodomésticos ineficientes.
A essência do problema é que
ainda não existe preço para a
poluição. Estamos começando
a ver, graças ao Protocolo de
Kyoto, um pouco desse preço
aparecendo. Mas com certeza o
preço da poluição ainda não está refletido no preço dos produtos.
FOLHA - As mudanças climáticas
são um problema criado basicamente pelas nações industrializadas. Porém, será impossível resolver o problema se os países em desenvolvimento considerarem que o direito
ao progresso inclui o direito de não
serem obrigados a limitar as emissões que provocam o efeito estufa.
Qual será o equilíbrio concreto entre
os compromissos e os direitos das
nações ricas e das economias em desenvolvimento que o sr. irá promover na conferência de Bali ?
DE BOER - Soube que a Índia talvez esteja disposta a limitar as
emissões de gases-estufa no nível que o país tinha em 2005.
Talvez o México possa aceitar
metas para setores do aço e do
cimento. A China tem falado
em alcançar 20% de energia renovável. Se os recursos financeiros internacionais podem
ser fornecidos para chegar a esses objetivos em forma de créditos de carbono, talvez seja um
passo adiante. Então, o que eu
acho, é que países em desenvolvimento poderiam, de maneira
voluntária, limitar suas emissões, alcançado, ao mesmo
tempo, crescimento econômico e erradicação da miséria.
FOLHA - O quanto o sr. acredita que
os governos conseguiram desenvolver uma compreensão necessária
para o sucesso dessas negociações?
DE BOER - Sinto que existe uma
mudança no entendimento, no
modo de ver. Primeiro, a União
Européia ofereceu reduzir suas
emissões em 20% e chegar a
menos 30% se outras nações
industrializadas se juntarem a
ela. Segundo, a administração
de George W. Bush, dos Estados Unidos, tem indicado que
quer negociar política ambiental a longo prazo e também várias economias em desenvolvimento -China, Índia, México e
África do Sul- já estão criando
estratégias nacionais para as
mudanças climáticas. Esses
países não estão esperando a
chegada de recursos internacionais.
FOLHA - Como reconciliar os interesses dos países ricos e pobres?
DE BOER - O problema do aquecimento foi causado pelas nações ricas, então elas precisam
mostrar liderança na questão.
Caso contrário, não seria razoável esperar que os países em
desenvolvimento façam progresso. A principal preocupação desses países é o crescimento econômico e a erradicação da pobreza. A participação
deles no regime para controlar
a mudança do clima vai funcionar só se essas preocupações
forem respeitadas. Agora, existe uma maneira de fazer uma ligação entre essas questões. Se
os países industrializados assumirem metas de redução muito
ambiciosas, isto vai criar uma
demanda de opções baratas para conseguir reduções das
emissões. Muitas destas opções
existem nos países em desenvolvimento. Dessa maneira, a
demanda por reduções de
emissões no Norte pode ajudar
a financiar o crescimento limpo no Sul.
FOLHA - O Brasil não está pronto a
aceitar nenhum compromisso internacional para reduzir suas emissões
de gases estufa; no entanto, o país
quer dinheiro para desacelerar o
desmatamento. Se o Brasil não mudar a sua posição, tenho certeza de
que o sr. vai ficar desapontado.
DE BOER - Minha impressão é
que a posição do Brasil é diferente. O Brasil não quer assumir nenhuma meta redutora a
nível internacional. De fato, nenhum país em desenvolvimento quer. Mas o Brasil está pronto para adotar medidas reais,
mensuráveis e verificáveis para
limitar suas emissões. O Brasil
tem dito que, se economias de
seu porte tomarem ações mensuráveis para limitar as emissões, por exemplo, melhorar a
eficiência energética em x%,
deveriam receber em troca dinheiro de créditos de carbono.
FOLHA - O que o Brasil pode ganhar
se adotar uma atitude mais comprometida, engajada ?
DE BOER - Na verdade eu acho
que o Brasil tem uma atitude
muito engajada. O Brasil contribuiu com excelentes idéias
no design do Protocolo de Kyoto e eu espero que o país continue a ter um papel de liderança
no processo. O Brasil tem sido
um dos atores mais ativos nas
negociações, mas em geral, poderia dizer que o que as nações
em desenvolvimento têm a ganhar são investimentos internacionais que os conduziriam a
um futuro energético limpo,
com menos poluição e contas
de energia mais baratas.
FOLHA - No Brasil, o governo tem
enfrentado críticas ao se opor às metas para redução de emissões, por
não estar pronto em contribuir mais
nos esforços para mitigar as mudanças climáticas.
DE BOER - Não estou sabendo
dessas críticas, por isto, nada
posso comentar.
FOLHA - Qual a importância dos
biocombustíveis?
DE BOER - Existe no momento
um intenso debate internacional sobre os biocombustíveis.
Uma grande preocupação é que
a produção agrícola será deslocada em função do álcool e do
biodiesel. Outro receio é que os
fazendeiros venham a ser subsidiados para que possam produzir biocombustíveis. O Brasil
tem uma longa e respeitada tradição nessa área, a partir da cana de açúcar. Na minha opinião, o principal desafio é chegar à segunda geração de biocombustíveis [a partir de celulose], na qual as sobras das colheitas vão poder ser usadas para produzir biocombustíveis.
FOLHA - Qual deveria ser a definição de sucesso para a conferência
em Bali e quão otimista o sr. está para que o evento seja um sucesso?
DE BOER - Em Bali, espero três
conquistas: lançar as negociações, fechar uma futura agenda
e fixar uma data para completar o processo negociador, que
na minha opinião deve ser
2009. Se isso for alcançado, para mim, Bali será um sucesso. E,
no momento, estou suficientemente otimista de que podemos conseguir, suficientemente confiante porque a comunidade científica internacional
tem mandado um sinal muito
claro de que nós precisamos tomar medidas concretas contra
o aquecimento global. As emissões continuam a aumentar e
temos apenas de 10 a 15 anos
para diminuí-las. Mas estou começando a ver que está surgindo vontade política para realmente avançar em Bali.
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