São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

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Embrapa veta cientistas em seminário

Empresa orientou pesquisadores a não participar de debate na Câmara sobre mudanças no Código Florestal

Especialistas falariam sobre trabalho que aborda a importância da floresta preservada para a agricultura

Alberto César Araújo/Folhapress
Vista aérea de desmatamento para expansão do cultivo de soja, em Nova Ubiratã (MT)

CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA

Pesquisadores da Embrapa foram impedidos de participar de um seminário para debater o Código Florestal na última terça-feira, na Câmara dos Deputados.
Segundo o órgão, não houve veto, apenas uma "orientação" para que os cientistas evitassem falar "em nome da Embrapa" sobre o tema, já que oficialmente a empresa não tem ainda opinião sobre o assunto, ainda em discussão no governo.
Cientistas que apresentaram seus dados no seminário, porém, queixam-se de censura aos colegas.
A Embrapa é parte do grupo de trabalho constituído em julho pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e pela ABC (Academia Brasileira de Ciências) para examinar as evidências sobre as relações entre ambiente e agricultura.
O grupo revisou mais de 300 publicações científicas e finalizou um relatório que visa subsidiar a mudança no Código Florestal, a ser votada na Câmara em março.
No encontro da última terça, convocado pela Frente Parlamentar Ambientalista, os pesquisadores da Embrapa apenas exporiam algumas conclusões do relatório.
Foi o que fizeram outros membros do grupo de trabalho da SBPC, ligados a instituições como USP, Unicamp, Inpe e Ministério da Ciência e Tecnologia -que tampouco têm posição oficial sobre o tema, mas liberaram seus cientistas para falar.

TENSÃO
A Embrapa é subordinada ao Ministério da Agricultura, tradicional rival da área ambiental. A pasta apoiou a reforma no código em análise, proposta pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e criticada por ambientalistas.
Segundo cientistas, algumas das conclusões do relatório da SBPC irritam o ministério, como a recomendação de que áreas de preservação permanente não sejam reduzidas, como propõe Rebelo -já que a lei atual não lhes dá suficiente proteção.
O fundador da Embrapa e ex-ministro da Agricultura Alisson Paulinelli, que integrou o grupo da SBPC, chegou a pedir para ser excluído dele por considerar o sumário executivo do relatório "faccioso". O sumário teve uma nova redação e está na página da SBPC na internet (www.sbpcnet.org.br).

CORRENTES
As palestras de dois técnicos da Embrapa haviam sido acertadas na última sexta-feira com a SBPC.
Eles apresentariam uma das principais conclusões do relatório: a de que a ausência de insetos polinizadores, como abelhas, provoca queda de produtividade de 40% a 100% em oito culturas comerciais (algodão, café, soja, maracujá, caju, pêssego, melão e laranja).
Como esses insetos se refugiam na vegetação nativa, existe um bom motivo econômico para o agricultor manter as matas.
Na segunda-feira, porém, um dos pesquisadores, da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna (SP), mandou um e-mail ao grupo afirmando ter recebido ordem superior para não falar na Câmara.
Um terceiro cientista, da Embrapa Florestas, recebeu, segundo testemunha,ligação de sua chefia horas antes do seminário com a ordem para que não comparecesse.
O deputado federal e ex-ministro da Agricultura Reinhold Stephanes (PMDB-PR), que esteve no seminário, se ressentiu da ausência da Embrapa. "É um negócio meio surrealista", afirmou. "Para um debate desses dar certo, é preciso ter cientistas de várias [correntes]."
Procurados pela Folha, os pesquisadores não comentaram o caso.


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