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PALEONTOLOGIA
Fóssil dos EUA é 1º registro de tecidos moles e flexíveis em um dinossauro; biomoléculas são próximo alvo
Grupo encontra células em tiranossauro
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Não foi desta vez que os paleontólogos conseguiram realizar o
sonho da série "Parque dos Dinossauros" e recuperar o DNA
dessas criaturas. Mas eles nunca
chegaram tão perto. Cientistas
dos Estados Unidos obtiveram
restos de vasos sangüíneos, células e talvez até núcleos celulares de
um tiranossauro morto há cerca
de 70 milhões de anos.
Pelo visto, a façanha não se deu
graças a algum processo excepcional de preservação. A equipe,
liderada por Mary Higby Schweitzer, da Universidade do Estado da
Carolina do Norte, e John "Jack"
Horner, da Universidade do Estado de Montana, já conseguiu resultados parecidos com outros
três dinos fósseis. "Acho que estamos no início de um novo tipo de
paleontologia celular e molecular", disse Horner à Folha.
A empolgação é justificada: afinal, os paleobiólogos que estudam criaturas tão ou mais antigas
que os dinossauros em geral têm
de se contentar com "ossos" que,
na verdade, transformaram-se
em rocha por um processo de
substituição química. O sujeito
que encontra um fóssil com impressões de tecido mole, como
pele, músculo ou, no caso dos dinos, penas, já considera ter tirado
a sorte grande. No entanto, nada
se compara às células verdadeiras
que o bicho tinha quando vivo.
A dupla conta que o fóssil, achado na formação Hell Creek (centro-oeste dos EUA), estava desarticulado e incompleto: havia parte
do crânio, ossos das patas traseiras, algumas vértebras e costelas.
"Ele nos deu uma canseira dos
diabos! Os trabalhadores tiveram
de remover parte do penhasco para chegar aos ossos", conta
Schweitzer. Os restos do animal
estavam presos num arenito de
granulação fina e uniforme e bem
preservados, mas não parece ter
havido nenhuma condição excepcional para que os tecidos moles
tenham "sobrevivido".
"Acho que, quando realmente
começarmos a examinar outros
espécimes, vamos descobrir que
qualquer sedimento de arenito
preserva essas características.
Suspeito que elas tenham mais a
ver com a densidade do osso de
dinossauro do que com a rocha
na qual ele está", diz Horner.
Coxa da sorte
Ao remover o espécime, os pesquisadores notaram a presença de
fragmentos da parte interna do fêmur, o osso da coxa. (O osso também mostra que o animal era menor que o tamanho médio da espécie) Foi aí que veio a idéia: por
que não tentar desmineralizar esses fragmentos -retirar sua porção mineral, como se faz com ossos atuais- e ver o que sobrava?
Desnecessário dizer que nem o
máximo do otimismo teria preparado os pesquisadores para o resultado. Ao microscópio, as estruturas que se desprendiam dos ossos não deixavam dúvidas. "Eram
macias, flexíveis e transparentes",
conta Schweitzer. Tratava-se de
vasos sangüíneos de 70 milhões
de anos, que ainda se ramificavam segundo padrões reconhecíveis. "Conseguimos até extrair o
conteúdo desses vasos. Não conheço nenhum tipo de substituição mineral que permita isso."
O conteúdo, no caso, parece incluir células endoteliais (com núcleos), que ficam dispostas nas
paredes dos vasos sangüíneos em
bichos vivos. Há também aparentes osteócitos (células ósseas). Todas as estruturas são muito parecidas com o que se vê nos ossos
desmineralizados de avestruzes.
Não é de estranhar: tudo indica
que as aves modernas não passem
de dinossauros terópodes (bípedes predadores) com penas, coisa
que o T. rex também era.
A dupla ainda está começando a
analisar a composição molecular
dessas estruturas todas, mas o
mesmo processo já funcionou em
dois outros tiranossauros e num
braquilofossauro (um tipo de dinossauro herbívoro com bico de
pato). "Acho que vamos ficar
muito surpresos com o que conseguiremos encontrar", diz Horner. "Talvez não DNA, mas proteínas e outras biomoléculas."
Schweitzer pede mais cautela:
"Há muito o que se fazer antes de
chegarmos ao DNA. Se decidirmos tentar recuperá-lo, quero fazer isso com o máximo de cuidado possível, já que não quero contribuir para as controvérsias nesse
campo". Mesmo que a sorte não
seja tão bondosa com os paleontólogos, a presença de proteínas já
ajudaria a responder um sem-número de perguntas sobre a fisiologia, as relações de parentesco e
talvez até os ambientes de bichos
que, até agora, só podiam ser estudados como esqueletos.
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