São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 2005

Próximo Texto | Índice

PALEONTOLOGIA

Fóssil dos EUA é 1º registro de tecidos moles e flexíveis em um dinossauro; biomoléculas são próximo alvo

Grupo encontra células em tiranossauro

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Não foi desta vez que os paleontólogos conseguiram realizar o sonho da série "Parque dos Dinossauros" e recuperar o DNA dessas criaturas. Mas eles nunca chegaram tão perto. Cientistas dos Estados Unidos obtiveram restos de vasos sangüíneos, células e talvez até núcleos celulares de um tiranossauro morto há cerca de 70 milhões de anos.
Pelo visto, a façanha não se deu graças a algum processo excepcional de preservação. A equipe, liderada por Mary Higby Schweitzer, da Universidade do Estado da Carolina do Norte, e John "Jack" Horner, da Universidade do Estado de Montana, já conseguiu resultados parecidos com outros três dinos fósseis. "Acho que estamos no início de um novo tipo de paleontologia celular e molecular", disse Horner à Folha.
A empolgação é justificada: afinal, os paleobiólogos que estudam criaturas tão ou mais antigas que os dinossauros em geral têm de se contentar com "ossos" que, na verdade, transformaram-se em rocha por um processo de substituição química. O sujeito que encontra um fóssil com impressões de tecido mole, como pele, músculo ou, no caso dos dinos, penas, já considera ter tirado a sorte grande. No entanto, nada se compara às células verdadeiras que o bicho tinha quando vivo.
A dupla conta que o fóssil, achado na formação Hell Creek (centro-oeste dos EUA), estava desarticulado e incompleto: havia parte do crânio, ossos das patas traseiras, algumas vértebras e costelas. "Ele nos deu uma canseira dos diabos! Os trabalhadores tiveram de remover parte do penhasco para chegar aos ossos", conta Schweitzer. Os restos do animal estavam presos num arenito de granulação fina e uniforme e bem preservados, mas não parece ter havido nenhuma condição excepcional para que os tecidos moles tenham "sobrevivido".
"Acho que, quando realmente começarmos a examinar outros espécimes, vamos descobrir que qualquer sedimento de arenito preserva essas características. Suspeito que elas tenham mais a ver com a densidade do osso de dinossauro do que com a rocha na qual ele está", diz Horner.

Coxa da sorte
Ao remover o espécime, os pesquisadores notaram a presença de fragmentos da parte interna do fêmur, o osso da coxa. (O osso também mostra que o animal era menor que o tamanho médio da espécie) Foi aí que veio a idéia: por que não tentar desmineralizar esses fragmentos -retirar sua porção mineral, como se faz com ossos atuais- e ver o que sobrava?
Desnecessário dizer que nem o máximo do otimismo teria preparado os pesquisadores para o resultado. Ao microscópio, as estruturas que se desprendiam dos ossos não deixavam dúvidas. "Eram macias, flexíveis e transparentes", conta Schweitzer. Tratava-se de vasos sangüíneos de 70 milhões de anos, que ainda se ramificavam segundo padrões reconhecíveis. "Conseguimos até extrair o conteúdo desses vasos. Não conheço nenhum tipo de substituição mineral que permita isso."
O conteúdo, no caso, parece incluir células endoteliais (com núcleos), que ficam dispostas nas paredes dos vasos sangüíneos em bichos vivos. Há também aparentes osteócitos (células ósseas). Todas as estruturas são muito parecidas com o que se vê nos ossos desmineralizados de avestruzes. Não é de estranhar: tudo indica que as aves modernas não passem de dinossauros terópodes (bípedes predadores) com penas, coisa que o T. rex também era.
A dupla ainda está começando a analisar a composição molecular dessas estruturas todas, mas o mesmo processo já funcionou em dois outros tiranossauros e num braquilofossauro (um tipo de dinossauro herbívoro com bico de pato). "Acho que vamos ficar muito surpresos com o que conseguiremos encontrar", diz Horner. "Talvez não DNA, mas proteínas e outras biomoléculas."
Schweitzer pede mais cautela: "Há muito o que se fazer antes de chegarmos ao DNA. Se decidirmos tentar recuperá-lo, quero fazer isso com o máximo de cuidado possível, já que não quero contribuir para as controvérsias nesse campo". Mesmo que a sorte não seja tão bondosa com os paleontólogos, a presença de proteínas já ajudaria a responder um sem-número de perguntas sobre a fisiologia, as relações de parentesco e talvez até os ambientes de bichos que, até agora, só podiam ser estudados como esqueletos.


Próximo Texto: Comentário: Achado coroa maturidade de uma ciência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.