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AMAZÔNIA
Tarcísio Feitosa recebeu o Prêmio Goldman, de US$ 125 mil, pela luta por reservas florestais em zona de conflito
Paraense ganha "Prêmio Nobel" ambiental
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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O paraense Tarcísio Feitosa da Silva, que recebeu ontem nos EUA o Prêmio Goldman, a principal distinção do mundo ambientalista |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
A floresta tropical não precisa só
de unidades de conservação; precisa também de dinheiro. E esse
dinheiro viria fácil se o governo
resolvesse cobrar de madeireiros
e pecuaristas o enorme passivo
ambiental da Amazônia e aplicá-lo num fundo que pudesse financiar atividades econômicas ambientalmente corretas.
Quem diz é Tarcísio Feitosa da
Silva, 34, "nascido e criado" às
margens do rio Xingu, em Altamira, Pará. Ele recebeu ontem nos
EUA o Prêmio Goldman, de US$
125 mil, considerado o Nobel do
ambientalismo. A honraria até
hoje só coube a dois outros brasileiros: o antropólogo Carlos Alberto Ricardo, do Instituto Socioambiental, e a ministra do
Meio Ambiente Marina Silva.
Feitosa, que atua junto à Comissão Pastoral da Terra, ajudou a
denunciar, em 2000, a exploração
ilegal de mogno na Terra do Meio,
região paraense rica em florestas e
em conflito. Também liderou os
esforços para a criação de um mosaico de unidades de conservação
na região do Xingu, numa área
maior que a da Inglaterra. Hoje é
conselheiro do Fundo Dema, iniciativa que gerencia R$ 5 milhões
obtidos com a venda do mogno
apreendido na região para desenvolver a agricultura familiar.
"Imagine se o governo brasileiro pegasse todas as multas aplicadas na Amazônia, cobrasse e fizesse um fundo para isso? O passivo criminoso ambiental da
Amazônia precisa ser cobrado e
pago", afirmou ele à Folha.
Filho de seringueira e ex-catador de caranguejo, Feitosa é militante desde os 15 anos. A atuação
já lhe rendeu ameaças de morte
em Altamira, onde mora com a
mulher e dois filhos. Brinca que
sua cabeça já vale uns trocados.
"Agora vai ficar mais cara", ri.
Folha - Por que você ganhou o
Prêmio Goldman?
Tarcísio Feitosa da Silva - O estado do Pará tem duas grandes
frentes de destruição: os eixos
Marabá-Anapu e Cuiabá-Santarém. Estamos bem no meio disso
e desde a década de 1980 temos
feito campanha para guardar a
floresta nessa área. Há um Movimento pelo Desenvolvimento da
Transamazônica. Eu sou um dos
coordenadores. Fizemos campanha pela demarcação de terras indígenas, depois campanha pelas
unidades de conservação na Terra
do Meio. Isso, juntando com cabeceiras do Xingu, que já são protegidas, forma o maior corredor
ecológico do mundo, com quase
260 mil quilômetros quadrados.
Além da denúncia de exploração
do mogno nas terras indígenas.
Isso é um grande problema da
Amazônia. O passivo de criminalidade ambiental nunca foi apurado. A Justiça, principalmente do
Estado do Pará, não tem compromisso em investigar, apurar e julgar esse passivo criminoso.
Folha - Mas não é impossível recuperar esse passivo sem quebrar
completamente o setor produtivo?
Feitosa - Eles ganharam muito
dinheiro. Se fizessem pelo menos
um fundo ou algo nesse sentido
de dizer, olha, vamos recuperar a
área Parakanã, por exemplo, que
foi uma das mais destruídas [pela
exploração ilegal de mogno].
Folha - Como começou a denúncia da exploração de mogno?
Feitosa - Eu trabalhava na época
com o Conselho Indigenista Missionário. A gente fez uma série de
denúncias em 2000. Toda a máfia
do mogno ficava naquela área [da
Terra do Meio]. Aí o movimento
social apresentou uma proposta
para o governo federal da construção de dois pulmões, tanto do
lado direito quanto do lado esquerdo da Transamazônica. O lado sul era a Terra do Meio. O lado
norte era onde estão as Reservas
Extrativistas Verde para Sempre e
Renascer. Encaminhamos o mapa da exploração para o Greenpeace, que era a instituição com o
maior poder de denúncia na época. A proposta de criação foi mandada para o Ministério do Meio
Ambiente. O governo sentou em
cima. Tudo [os estudos para subsidiar a criação das reservas] foi
entregue oficialmente ao governo
em 2003 e a gente começou a fazer
pressão para que o governo avançasse na criação. Eles só foram
avançar uma semana depois da
morte da irmã Dorothy [Stang,
assassinada em 2005].
Folha - O governo diz que, mesmo
sem o assassinato, as reservas
iriam sair de qualquer maneira.
Feitosa - Naquela época não.
Porque havia muita pressão do
governo do Estado do Pará. O divisor de águas foi a morte da Dorothy, quando o governo federal
se deu conta da falta da presença
do Estado naquela região. Depois
da decretação, um desmatador de
Ourilândia foi lá e ainda derrubou
600 campos de futebol dentro da
estação ecológica [da Terra do
Meio]. Não pode só criar no papel. Tem de ir ao campo e demarcar e mostrar presença no campo.
Folha - Muita gente fala que antes uma reserva no papel do que
nada, porque inibe a grilagem...
Feitosa - Cai o preço da terra. É o
único fator que atrapalha a grilagem. Os bandidos continuam soltos, os documentos em cartório
continuam sendo falsificados...
Folha - Mesmo depois da Portaria
nš 10 do Incra, que suspendeu a
emissão de pretensões de posse na
Amazônia?
Feitosa - Mesmo depois da Portaria 10. Esta semana a gente cancelou uma área grilada de 133 mil
hectares a 70 km de Altamira, pertencente a um cara que mora aqui
no Itaim Bibi [em São Paulo]. O
Incra tinha pago essa terra em
1982 e uma maracutaia do cartório dizia o contrário, que o sujeito
tinha comprado a terra do Incra.
Mas a gente tem de dar crédito: a
presença do governo reduziu isso.
Folha - Como você avalia a ação
do governo?
Feitosa - Eu acho que o governo
ainda não entendeu a Amazônia.
Só veja uma questão muito simples, o orçamento: enquanto para
vocês [no Sudeste] tem sol, para
nós tem chuva. O dinheiro que é
liberado para os agricultores na
época de plantar chega para nós
na época de colher.
Folha - Comparando a situação
da Amazônia no governo Lula com
a do governo FHC...
Feitosa - Houve um avanço.
Principalmente na questão do ordenamento territorial. Hoje você
vai no site do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária) e vai saber onde são terras da Federação. A experiência
do georreferenciamento feito na
região foi cara, mas pelo menos
disse isso. Os próprios fazendeiros sabem disso agora. Mas muita
coisa ainda precisa acontecer. É
mais fácil eu ir no banco pegar dinheiro pra plantar soja e criar gado do que pra colher castanha.
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