São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2008

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Papel de nanotubo engorda quando estica

Brasileiros explicam como novo material pode servir para músculos artificiais e coletes à prova de bala

IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um papel que custe de R$ 170 a R$ 5.000 o grama precisa ter algo de especial para chamar a atenção da indústria e das forças armadas. Uma equipe internacional de cientistas descobriu como controlar propriedades elásticas desse papel que, em vez de fibra de celulose, é feito de emaranhados de nanotubos de carbono -tubos com décimos de milésimo da espessura de um fio de cabelo.
A "folha de papel" no caso é uma tira retangular de 2 mm por 12 mm que teve suas deformações elásticas medidas por microscópio eletrônico.
Os brasileiros da equipe conseguiram entender por que, dependendo da "receita" de fabricação, o papel de nanotubos de carbono se comporta de maneira oposta à de uma tira de borracha normal. O efeito é microscópico, mas surpreende. Em vez de afinar dos lados quando esticada, a folha de nanotubos se expande. Em vez de ficar mais frágil quando comprimida, a folha fica mais dura. É o que os físicos chamam de material auxético.
Lee Hall e Ray Baughman, da Universidade do Texas em Dallas, descobriram em 2006 que folhas de papel feitas de uma mistura de dois tipos de nanotubo de carbono podiam se tornar auxéticas.

Canudinhos
Os nanotubos simples são como canudinhos finos formados por uma folha de átomos de carbono enrolada, que tendem a se agrupar em feixes paralelos. O outro tipo são nanotubos gordos, com dezenas de camadas de carbono concêntricas enroladas. Acrescentar cada vez mais camadas acaba tornando o material auxético.
"A mudança nas propriedades elásticas é tão surpreendente, e a estrutura das folhas de nanotubos de carbono tão complicada, que achávamos que uma explicação quantitativa seria impossível", diz Baughman. Vitor Coluci e Douglas Galvão, da Unicamp, junto com Sócrates Dantas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, criaram um modelo simples que explica o comportamento das folhas de nanotubos, publicado hoje na revista "Science".

Adega nanoscópica
Coluci percebeu que podia visualizar a "macarronada" de nanotubos que formam as folhas como uma rede de hastes se cruzando em ziguezague, que ele e Galvão comparam a um engradado de guardar vinhos, feito de hastes flexíveis e dobráveis. Cada haste é capaz de se curvar e alongar em reposta a uma tensão mecânica. Segundo Coluci, "as equações que regem essa estrutura dizem como ela se deforma quando esticada ou comprimida".
"Os feixes de nanotubos simples se curvam mais facilmente que os nanotubos múltiplos", explica Coluci. Assim, no modelo, as barras que representam nanotubos múltiplos são mais rígidas que as barras representando feixes simples. Se os nanotubos múltiplos predominarem na mistura, sua rigidez fará com que a folha se expanda em todas as direções do plano quando esticada.
"Outra propriedade importante para aplicações é que, se você comprime um auxético, ele vai contrair na outra direção", explica Coluci. "Assim, se um tecido feito de fibras de nanotubos de carbono for atingido por uma bala, ele vai endurecer no ponto de impacto, protegendo a pessoa vestida por ele, enquanto o resto do tecido permanecerá flexível." Os pesquisadores do Texas pretendem justamente tecer fibras de tecido a partir do papel auxético.
Enquanto isso, os brasileiros realizarão simulações computacionais para descobrir como moléculas de gás presas no "engradado de vinhos" alterariam a elasticidade da folha de nanotubos. A idéia é usar o processo para criar sensores de gases.
Baughman está particularmente interessado em usar as folhas de nanotubos para fabricar pequenos "músculos" artificiais para robôs. Materiais auxéticos podem servir para ativar uma espécie de nanoalavanca usada no sistema.


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