|
Próximo Texto | Índice
Áreas cerebrais disputam decisão de gastar ou poupar
Sistema pode explicar fé religiosa do esforço em vida para recompensa pós-morte
Experimento mapeou os cérebros de voluntários em um teste no qual deveriam escolher entre consumir ou economizar seus recursos
RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um estudo de mapeamento
cerebral pode ajudar a entender a diferença entre o cérebro
de uma pessoa esbanjadora,
que gasta dinheiro como se cada dia fosse o último, e o de um
pão-duro crônico, que apenas
poupa, sem aproveitar o que
juntou. Os mecanismos que interagem quando uma pessoa
decide entre consumir ou armazenar o recurso, dizem os
cientistas, são os mesmos que
embasam a fé religiosa de alguém que se esforça em vida
para ter o paraíso após a morte.
O que os neurocientistas da
Universidade de Hamburgo, na
Alemanha, fizeram foi observar
a atividade cerebral de voluntários enquanto tomavam decisões financeiras. Elas envolviam escolher entre receber
menos dinheiro imediatamente ou uma quantia maior dentro de alguns meses. Enquanto
isso, eram estimulados a pensar em eventos do futuro, como
longas viagens de férias ou cursos caros que desejariam fazer.
Os pesquisadores puderam,
assim, mapear as áreas do cérebro que trabalham para decidir
entre receber uma recompensa
agora ou esperar por algo melhor amanhã. Duas são importantes. Grosso modo, uma é
mais imediatista, e a outra faz o
papel de chata, trazendo a lembrança de que não se pode pensar apenas no presente.
O córtex cingulado anterior é
quem responde à recompensa,
uma área muito ligada à tomada de decisões. Se ela faz peso
para que escolhas impulsivas
sejam feitas, o hipocampo, outra parte do cérebro, entra na
briga contra isso. Ele é o responsável por criar imagens do
futuro na mente humana -é a
parte do cérebro que faz com
que as pessoas contratem planos de previdência, digamos.
O hipocampo envia, então,
esses sinais relacionados à recompensa futura para o córtex
cingulado anterior, influenciando a tomada de decisão.
"Imaginar com força o futuro
acaba reduzindo a quantidade
de escolhas impulsivas que fazemos", diz Jan Peters, um dos
neurocientistas que assinam o
trabalho na revista "Neuron".
Os pesquisadores ainda estão
apenas descobrindo quais partes cerebrais atuam avaliando o
custo-benefício de esperar o
tempo passar e não sabem bem
como diferenças individuais
entre cérebros podem justificar perfis mais esbanjadores ou
econômicos. Mas é possível que
um hipocampo mais ativo, por
exemplo, faça com que certas
pessoas criem mais imagens ligadas ao futuro nas suas mentes, dizem os cientistas.
Apesar de o estudo envolver
escolhas relacionadas a dinheiro, acredita-se que os mesmos
circuitos do cérebro estejam
envolvidos em outras decisões.
Um dos exemplos pode envolver a religião. Quando um fiel
se flagela expiando seus pecados para escapar do inferno, está tomando uma decisão pensando em vantagens futuras.
A ideia de "renúncia agora,
paraíso depois" faz parte das
cinco maiores religiões do
mundo, lembra o economista
Eduardo Giannetti, autor de "O
Valor do Amanhã". "Foi esse
raciocínio que levou à condenação, no séc. 4º, do suicídio como "atalho" para o paraíso, prática corrente nos primeiros séculos do cristianismo", diz.
Humanos têm maior habilidade em trocar o presente pelo
futuro do que os animais, que
se assemelham mais a crianças
pequenas. Elas vivem o momento, sem pensar em guardar
papinha para depois. Animais,
porém, também sabem adiar
recompensas. Roedores, por
exemplo, sabem enterrar comida e são poupadores natos.
Próximo Texto: Marcelo Gleiser: Terra rara Índice
|