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Genômica pessoal chega antes da hora ao mercado
Já é possível comprar pelo correio mapeamentos de DNA de utilidade duvidosa
Há duas classes de serviço, com enormes diferenças no preço e na qualidade; uma sai por cerca de US$ 1.000 e a outra, por US$ 350 mil
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Genômica pessoal, ou medicina personalizada, é o assunto
do momento em biotecnologia.
Há um ano, não passava de promessa. Agora se tornou objeto
de consumo, mas há quem avise que tem gente comprando
gato por lebre.
Só existem dois tipos de produto na praça, com uma gama
de preço e qualidade similar à
que separa uma bicicleta de
uma BMW. No primeiro caso, o
consumidor pode escolher entre três fornecedores de testes
para verificar se tem risco aumentado para no máximo
umas 30 "condições" (nem todas são doenças).
A opção mais barata sai na
faixa de R$ 1.700 (US$ 1.000).
São empresas de comércio eletrônico, como 23andMe, deCODEme e Navigenics. Paga-se com cartão de
crédito. O kit para cuspir dentro vem e volta pelo correio.
Todas se limitam a fazer análise de SNPs. É a sigla em inglês
de "polimorfismos de nucleotídeo único", um tipo de erro de
digitação durante o processo de
cópia do DNA durante a evolução das espécies. O genoma de
uma pessoa pode ter até 1 milhão de SNPs diferentes do de
outra. Cada uma dessas trocas
de letras pode ou não estar associada com um risco maior de
doença ou... "abobrinhas".
A expressão é de Sergio Pena,
geneticista da Universidade
Federal de Minas Gerais e dono
do laboratório GENE. Ele encomendou uma análise dos
próprios SNPs à deCODEme.
"Dos SNPs que eles reportam,
alguns são "abobrinhas': calvície, intolerância à lactose, identificação de compostos amargos", critica. "Dos SNPs associados com doenças, em apenas
dois casos há riscos relativos altos: trombose venosa e doença
de Alzheimer. Estes já são conhecidos há anos e já são oferecidos por muitos laboratórios,
inclusive o GENE", alerta Pena.
Para ele, é "questionável" se o
risco para Alzheimer deveria
ser comunicado a consumidores sem intermediação médica.
"O impacto de cada variante
genética usada nesses testes é
muito pequeno", ressalta Marcelo Nóbrega, geneticista da
Universidade de Chicago. Ele
cita o caso do diabetes, que tem
prevalência de 5% na população: "Um aumento de 20% significaria que o risco passa a 6%.
Quem vai mudar drasticamente seu estilo de vida porque tem
6% em lugar de 5% de chance
de desenvolver diabetes?"
Primeira classe
A opção mais cara de genoma
pessoal chega a quase R$ 600
mil. Só há um provedor, a Knome. O slogan da empresa de
Cambridge, Massachusetts
(EUA), é "Know thyself" (conhece-te a ti mesmo), frase usada como divisa do oráculo de
Delfos, na Grécia, séculos atrás.
Mas poucos se lembram de
uma máxima inscrita no templo de Apolo: nada em excesso.
A Knome oferece transcrever todos os 6 bilhões de caracteres do genoma de seus 20 primeiros clientes por US$ 350
mil (só anunciou dois até agora). Promete mostrar ao cliente
suas chances de ser portador
das variantes genéticas ligadas
a cerca de 2.000 doenças.
A maioria é de síndromes genéticas raras, comos as de Tay-Sachs, Turner e Huntington. A
última equivale a uma condenação: após os primeiros sintomas, quase nada se pode fazer
para adiar a morte, que vem 10
a 15 anos depois. Muita gente
prefere não saber se a terá.
"Não há quase nada que eu
não gostaria de saber. Esse é o
meu tipo de pessoa", diz
Church. "Mesmo quando não
há tratamento, você pode querer agir em benefício de sua família, (...) levantar fundos,
conscientizar, fazer pesquisa..."
O geneticista de Harvard já
soletrou o próprio genoma
-por exigência do comitê de
ética que analisava o Projeto
Genoma Pessoal. O estudo acadêmico prevê seqüenciar 100
mil pessoas (qualquer um pode
se inscrever pela internet:
www.personalgenomes.org).
"A maioria das coisas que eu
gostaria de não conhecer eu já
sabia antes de olhar o meu genoma. Eu gostaria de não saber
que posso ter doença cardíaca e
câncer de pele (por causa da
minha pele clara)." A Knome
afirma que não foi procurada
por nenhum brasileiro, ainda.
Leia entrevista com George Church no blog Ciência em Dia
http://cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br
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