São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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Genômica pessoal chega antes da hora ao mercado

Já é possível comprar pelo correio mapeamentos de DNA de utilidade duvidosa

Há duas classes de serviço, com enormes diferenças no preço e na qualidade; uma sai por cerca de US$ 1.000 e a outra, por US$ 350 mil

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Genômica pessoal, ou medicina personalizada, é o assunto do momento em biotecnologia. Há um ano, não passava de promessa. Agora se tornou objeto de consumo, mas há quem avise que tem gente comprando gato por lebre.
Só existem dois tipos de produto na praça, com uma gama de preço e qualidade similar à que separa uma bicicleta de uma BMW. No primeiro caso, o consumidor pode escolher entre três fornecedores de testes para verificar se tem risco aumentado para no máximo umas 30 "condições" (nem todas são doenças).
A opção mais barata sai na faixa de R$ 1.700 (US$ 1.000). São empresas de comércio eletrônico, como 23andMe, deCODEme e Navigenics. Paga-se com cartão de crédito. O kit para cuspir dentro vem e volta pelo correio.
Todas se limitam a fazer análise de SNPs. É a sigla em inglês de "polimorfismos de nucleotídeo único", um tipo de erro de digitação durante o processo de cópia do DNA durante a evolução das espécies. O genoma de uma pessoa pode ter até 1 milhão de SNPs diferentes do de outra. Cada uma dessas trocas de letras pode ou não estar associada com um risco maior de doença ou... "abobrinhas".
A expressão é de Sergio Pena, geneticista da Universidade Federal de Minas Gerais e dono do laboratório GENE. Ele encomendou uma análise dos próprios SNPs à deCODEme. "Dos SNPs que eles reportam, alguns são "abobrinhas': calvície, intolerância à lactose, identificação de compostos amargos", critica. "Dos SNPs associados com doenças, em apenas dois casos há riscos relativos altos: trombose venosa e doença de Alzheimer. Estes já são conhecidos há anos e já são oferecidos por muitos laboratórios, inclusive o GENE", alerta Pena. Para ele, é "questionável" se o risco para Alzheimer deveria ser comunicado a consumidores sem intermediação médica.
"O impacto de cada variante genética usada nesses testes é muito pequeno", ressalta Marcelo Nóbrega, geneticista da Universidade de Chicago. Ele cita o caso do diabetes, que tem prevalência de 5% na população: "Um aumento de 20% significaria que o risco passa a 6%. Quem vai mudar drasticamente seu estilo de vida porque tem 6% em lugar de 5% de chance de desenvolver diabetes?"

Primeira classe
A opção mais cara de genoma pessoal chega a quase R$ 600 mil. Só há um provedor, a Knome. O slogan da empresa de Cambridge, Massachusetts (EUA), é "Know thyself" (conhece-te a ti mesmo), frase usada como divisa do oráculo de Delfos, na Grécia, séculos atrás. Mas poucos se lembram de uma máxima inscrita no templo de Apolo: nada em excesso.
A Knome oferece transcrever todos os 6 bilhões de caracteres do genoma de seus 20 primeiros clientes por US$ 350 mil (só anunciou dois até agora). Promete mostrar ao cliente suas chances de ser portador das variantes genéticas ligadas a cerca de 2.000 doenças.
A maioria é de síndromes genéticas raras, comos as de Tay-Sachs, Turner e Huntington. A última equivale a uma condenação: após os primeiros sintomas, quase nada se pode fazer para adiar a morte, que vem 10 a 15 anos depois. Muita gente prefere não saber se a terá.
"Não há quase nada que eu não gostaria de saber. Esse é o meu tipo de pessoa", diz Church. "Mesmo quando não há tratamento, você pode querer agir em benefício de sua família, (...) levantar fundos, conscientizar, fazer pesquisa..."
O geneticista de Harvard já soletrou o próprio genoma -por exigência do comitê de ética que analisava o Projeto Genoma Pessoal. O estudo acadêmico prevê seqüenciar 100 mil pessoas (qualquer um pode se inscrever pela internet: www.personalgenomes.org).
"A maioria das coisas que eu gostaria de não conhecer eu já sabia antes de olhar o meu genoma. Eu gostaria de não saber que posso ter doença cardíaca e câncer de pele (por causa da minha pele clara)." A Knome afirma que não foi procurada por nenhum brasileiro, ainda.


Leia entrevista com George Church no blog Ciência em Dia
http://cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br



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