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Pós-Kyoto não pode acabar como Doha, diz britânico
Embaixador para o clima vem ao Brasil buscar apoio para novo acordo climático
Para John Ashton, cúpula do
G8 falhou em dar "empurrão
necessário" à luta contra o
efeito estufa, e "política do
você primeiro" deve acabar
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Após ter amargado na reunião do G8 (o grupo dos países
mais ricos do mundo), no começo do mês, uma declaração
morna sobre o que fazer para
conter o aquecimento global, a
União Européia acelerou sua
ofensiva diplomática para tentar salvar o acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto a
partir de 2013.
Os europeus querem engajar
principalmente os gigantes do
Terceiro Mundo a adotarem
compromissos obrigatórios
(dos quais hoje estão isentos)
num acordo mais ambicioso
que o de Kyoto. Os termos desse acordo começarão a ser definidos em dezembro, em Bali,
durante a reunião da Convenção do Clima das Nações Unidas. Para a UE, a meta é clara:
50% de corte nas emissões de
gases de efeito estufa até 2050.
Parte dessa ofensiva acontece no Brasil, com a visita ao Itamaraty do embaixador britânico para o clima, John Ashton.
Ele já esteve na China, hoje o
maior poluidor do planeta, e se
encontra hoje com seu equivalente brasileiro, Sérgio Serra.
Ashton diz que veio mais para ouvir do que para falar, mas
tem um recado para o governo
Lula: as negociações internacionais sobre o clima não podem terminar como as da Rodada Doha, de liberalização do
comércio, que foram a pique na
semana passada -devido a impasse entre Brasil, UE e EUA.
"Não podemos é acabar na
dinâmica do "você primeiro".
Precisamos de uma dinâmica
do "eu também'", afirma.
Em entrevista à Folha, Ashton diz que a transição para
uma economia de baixa emissão de carbono é "o projeto diplomático mais ambicioso já
tentado", mas que "ainda não
demos o verdadeiro empurrão
de que ele necessita".
Sobre a resistência dos EUA,
principal culpada pelo acordo
pífio do G8, Asthon diplomaticamente alfineta: "Os EUA são
mais do que a atual administração". Leia a seguir a entrevista.
FOLHA - Como o sr. avalia a declaração do G8 sobre o clima feita na
cúpula de Heiligendamm, Alemanha, no começo do mês?
JOHN ASHTON - Deixe-me dizer
algumas coisas. Um, nós não
podemos subestimar a escala e
a urgência do que estamos tentando fazer. Esta é uma questão
de reestruturação fundamental
da economia. Por isso não estamos progredindo tão rápido
quanto desejaríamos. Heiligendamm marca um momento importante nesse processo, mas
não devemos superestimar o
quanto representou de avanço.
Nós agora entramos num
momento de diplomacia muito
pesada. Este é o projeto diplomático mais complexo e mais
ambicioso que já foi tentado.
Mas ele está apenas começando, e ainda não demos o verdadeiro empurrão de que ele necessita. E o problema disso é
que a característica definidora
da mudança climática é sua urgência. Não podemos nos dar
ao luxo de demorar para obter a
transição para uma economia
de baixa emissão de carbono.
Os prazos são dados pela natureza. Não quero dizer que seja
impossível: temos a tecnologia
e temos o capital. Mas não devemos nos iludir de que demos
o empurrão político necessário.
FOLHA - A resistência dos Estados
Unidos foi quebrada?
ASHTON - Os Estados Unidos
são mais do que a atual administração. E eu acho que a coisa
mais significativa nos EUA é a
maneira como o debate sobre o
clima mudou no último ano ou
dois. E hoje você vê iniciativas
estaduais, como na Califórnia,
e transições em algumas das
maiores empresas dos EUA. O
Congresso dos EUA também
tem desempenhado um papel
bastante ativo após as últimas
eleições legislativas. Esse quadro dinâmico não ocorre só nos
EUA: nas últimas semanas, vimos grandes novas declarações
políticas da China, que agora
tem um programa nacional de
mudança climática, e da Austrália. Hoje você tem [o premiê
australiano] John Howard
abraçando o comércio de emissões, e isso era algo que se achava impossível um ano atrás.
FOLHA - Que mensagem o sr. está
trazendo ao Ministério das Relações
Exteriores do Brasil?
ASHTON - É uma vergonha dizer, mas eu não dediquei muito
tempo ao Brasil até agora. Estamos numa fase crítica dessas
conversas e quero saber como o
Brasil vê essa dinâmica. Eu
quero ver particularmente como as percepções das pessoas
no Brasil que se preocupam
com a mudança climática se relacionam com outras áreas da
política pública que são relevantes para o que podemos obter na mudança climática. Nós
acabamos de assistir ao fracasso das negociações sobre comércio [na Alemanha]. Qual é o
significado disso para o clima e
quais são as relações entre as
políticas de clima e de comércio? O governo brasileiro vem
dizendo há algum tempo que
precisamos de padrões tecnológicos para biocombustíveis.
Como usar essa proposta como
uma força construtiva para
uma transição para uma economia de pouco carbono?
FOLHA - A diplomacia brasileira
tem atuado até aqui com base no
princípio de que os países ricos são
responsáveis pelo problema, portanto, a responsabilidade de agir é
mais deles. O sr. acha que esse princípio ainda vale?
ASHTON - Todos nós temos um
interesse maior, que é atingir
essa transição. Ninguém se beneficiará se ela não for alcançada. O que nós não podemos é
acabar na mesma dinâmica que
tivemos nas negociações sobre
o comércio, que foram fundamentalmente uma política do
"você primeiro". Precisamos de
uma política do "eu também".
De outra forma, passaremos todo nosso tempo discutindo
quem deve assumir que parte
do ônus, e isso não funciona.
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