São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

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MEDICINA

Italianos criam dois compostos que funcionam como alvos falsos para proteína fatal do micróbio, neutralizando-a

Arapuca química detém toxina do antraz

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O micróbio do antraz usa uma arma quase infalível, a proteína chamada fator letal, para acabar com as defesas do organismo que invade. Mas um grupo de pesquisadores italianos encontrou uma forma de enfrentar a bactéria dando a ela um alvo falso, o que pode gerar, dentro de alguns meses, drogas capazes de neutralizar os efeitos mais graves da doença.
É o que afirma Cesare Montecucco, patologista da Universidade de Pádua e coordenador do estudo que sai hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com). "O nosso método permitirá a identificação de moléculas com valor terapêutico em pouco tempo", afirma o pesquisador.
É que, além de sintetizar duas moléculas -batizadas de In-1-LF e In-2-LF- que conseguiram impedir a ação do fator letal sobre células humanas em laboratório, Montecucco e seus colegas criaram uma forma de medir a atividade da proteína tóxica, revelando quais substâncias são mesmo eficazes contra ela.
O Bacillus anthracis, que pôs boa parte do planeta em pânico depois de ser usado em atentados terroristas nos Estados Unidos no ano passado, é perigoso porque seu fator letal é imune à ação dos antibióticos existentes.
A toxina começa a agir depois que os esporos da bactéria (estruturas resistentes que reúnem milhares de células do parasita) são "engolidos" pelos macrófagos, grandes células do sistema de defesa do organismo. As bactérias se multiplicam dentro dos macrófagos e arrebentam essas células, indo parar no sangue e no sistema linfático. O fator letal, liberado por elas, se liga a certas proteínas das células do hospedeiro e causa uma reação inflamatória colossal, levando a pessoa à morte.
Acontece que a toxina é "projetada" para se encaixar de forma exata nas proteínas celulares que provocam a inflamação. O que Montecucco e seus colegas fizeram foi oferecer ao fator letal uma ratoeira molecular -substâncias que possuem o mesmo "encaixe" em sua estrutura e que não pertencem às células do hospedeiro, mas que são capazes de entrar nelas e deter a proteína fatal.
"Esses dois inibidores se ligam ao fator letal no lugar das proteínas celulares às quais ele se ligaria, impedindo sua atividade", diz Montecucco. Dessa forma, em vez de desencadear a inflamação, a toxina do antraz se junta às moléculas criadas pelos italianos e acaba ficando inutilizada.

Teste rápido
Os pesquisadores também desenvolveram um peptídeo (um pedaço de proteína) que fica fluorescente quando é degradado pelo fator letal. Para testar com rapidez novas drogas contra o antraz, a idéia é unir esse peptídeo à molécula que está sendo testada. Se a mistura ficar fluorescente, é sinal de que a toxina ainda está ativa.
"Nossa esperança é bloquear a ação do fator letal, fazendo com que ainda seja possível usar os antibióticos. Ou seja, a idéia é fazer com que o paciente sobreviva nos estágios finais do antraz, para que a infecção possa ser eliminada", diz o pesquisador italiano.
A intenção de Montecucco é começar a testar uma série de substâncias que inibem a toxina em animais infectados com a bactéria do antraz nos próximos meses e, depois, em humanos. "Ainda não sabemos se esses inibidores são ativos no organismo", ressalva.



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