São Paulo, segunda-feira, 25 de julho de 2005

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BIOTECNOLOGIA

Substância desfaz coágulos e seria útil contra derrame ou infarto; uso também poderia substituir suturas

Proteína de serpente pode deter trombose

Divulgação
A caiçaca (Bothrops moojeni), cujo veneno contém proteína que torna o sangue incoagulável


REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Não deve ser um consolo muito grande para quem já levou uma picada da cobra conhecida como jararacão ou caiçaca (Bothrops moojeni), mas pesquisadores brasileiros estão achando um aliado insuspeito da saúde humana no veneno dessa serpente. A substância é capaz de tornar o sangue incoagulável e poderia ser usada para tratar a trombose presente em problemas como infartos ou derrames -ou até substituir a sutura em cirurgias.
Uma dupla da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), o biólogo molecular Fábio de Oliveira e a bioquímica Maria Inês Homsi Brandeburgo, testou com sucesso essas propriedades em animais e já patenteou a idéia. "O próximo passo devem ser os testes em humanos", contou Oliveira, 37, à Folha.
Oliveira estuda a proteína da caiçaca, apelidada de BthTl, desde 2001, como parte de seu trabalho de doutorado. "Na nossa região, o Triângulo Mineiro, a serpente é a principal causadora dos acidentes ofídicos [com cobras] registrados pelo Hospital das Clínicas de Uberlândia. Esse foi o principal motivo para estudarmos seu veneno", relata. Os cientistas sabem há tempos que a peçonha desses animais é um celeiro de moléculas possivelmente úteis para a medicina, já que a evolução as "projetou" para interagir com o sangue de suas presas -mamíferos, tal qual os seres humanos.
Não era diferente com as serpentes do gênero Bothrops, cujo veneno dava claras mostras de ser anticoagulante ao causar, por exemplo, uma bela hemorragia em quem tinha o azar de cruzar o caminho dos bichos. Além do mais, os componentes da peçonha são imunes a um possível contra-ataque de substâncias inibidoras do sangue humano. Nas circunstâncias em que a trombose ocorre (formação de um coágulo em vasos sangüíneos cruciais, impedindo a chegada do sangue a órgãos como o coração ou o cérebro), dispor dessas propriedades seria uma mão na roda.

Parece, mas não é
Foi com essa idéia na cabeça que Oliveira e Brandeburgo chegaram à BthTl. As duas últimas letras do nome querem dizer "thrombin-like", "semelhante à trombina" em inglês. Ora, a trombina é uma peça-chave do sistema de coagulação do sangue. É essa molécula que transforma outra substância, o fibrinogênio, em fibrina, o "tijolo" básico dos coágulos.
"Primeiro, essas moléculas de fibrina são ligadas entre si por interações químicas fracas, formando o chamado coágulo frouxo", explica Oliveira. "Esse tipo de coágulo é eliminado rapidamente pelo próprio organismo e, por isso, não pode ser utilizado para estancar sangramentos." Para que isso aconteça, o coágulo frouxo precisa virar coágulo denso, e é também a trombina que se responsabiliza pelo serviço, fazendo com que as moléculas de fibrina "grudem" umas nas outras de maneira mais firme.
É ótimo que isso aconteça num ferimento normal, mas péssimo que a trombina seja assim tão eficiente num vaso que irriga o cérebro. É aí que entra a BthTl. "A semelhança entre ela e a trombina se deve ao mecanismo de ação", ressalta Oliveira. A proteína da caiçaca induz somente a formação dos coágulos frouxos. O estoque de matéria-prima para o processo no sangue vai rapidamente por água abaixo, e ele se torna, para todos os efeitos, incoagulável.

Supercola
O teste da idéia em camundongos não poderia ter sido mais animador: os animais perdiam todo o fibrinogênio no sangue no prazo de uma hora, e o nível da molécula só voltava ao normal após dois dias. Coágulos já existentes também foram desfeitos.
Paradoxalmente, a equipe também verificou que, in vitro (no tubo de ensaio), a BthTl consegue formar um coágulo resistente (a cola de fibrina). Ela poderia substituir, com vantagens, a sutura normalmente usada em cirurgias, porque é biodegradável e pode ser totalmente absorvida pelo corpo.
Hoje, uma cola desse tipo já é usada, mas, por provir de humanos, corre o risco de carregar vírus ou microrganismos. "Mas os resultados com a cola ainda são preliminares", alerta Oliveira. Em ambos os casos, para chegar a um produto no mercado, os pesquisadores pretendem buscar parcerias com empresas.


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