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CIÊNCIA
Estudos procuram esclarecer como o cérebro reage ao estímulo subliminar
Segredos da consciência
LUIZ EUGÊNIO DE A. M. MELLO
especial para a Folha
Praticamente todo mundo já
ouviu falar de estímulo subliminar. Quase sempre é citada uma
experiência clássica em que, em
um filme, eram mostradas, de
maneira muito rápida, imperceptível conscientemente (subliminarmente, portanto), imagens ou
textos sugerindo que o espectador
bebesse determinado refrigerante. Ao fim do filme, sem que soubesse exatamente por quê, grande
parte dos espectadores sentia
vontade beber o tal refrigerante.
De fato, estímulos visuais muito
rápidos, ou auditivos muito baixos, podem não ser perceptíveis,
mas ainda assim ser capazes de
gerar comportamentos. Obviamente, para provocar reações, os
estímulos têm de ter sido processados pelo cérebro.
Assim, no dia-a-dia, reagimos a
vários estímulos ambientais, ainda que muitas vezes não tenhamos consciência de todos os estímulos a que somos submetidos.
Com base em estímulos visuais
subliminares, um dos pioneiros
na área, Howard Shevrin, indicou, há quase 30 anos, possíveis
bases para os conceitos freudianos de consciente e inconsciente.
Nesses estudos, pessoas com
medo de falar em público eram
subliminarmente expostas a palavras associadas a esses medos. Por
exemplo, um estudante com medo por não querer parecer desrespeitoso era exposto às palavras
"rebelde" e "selvagem".
Quando essas palavras lhe eram
mostradas subliminarmente, a
atividade elétrica em seu cérebro
demorava cerca de 250 milésimos
de segundo. Por outro lado, quando essas mesmas palavras eram
mostradas de maneira supraliminar, isto é, o voluntário tinha tempo de ler e entender a palavra, a
resposta cerebral demorava o dobro do tempo. Com isso, os autores sugeriram que essa maior demora se devia à tentativa de reprimir o conteúdo (as palavras "rebelde" e "selvagem") que seria
conflituoso para o indivíduo.
De acordo com essa visão, todos
os estímulos seriam primeiro processados em um nível inconsciente. Somente depois de filtrados
chegariam à consciência. Pode-se
até discordar dessa interpretação,
mas é fascinante que um estímulo
subliminar, tênue, seja processado mais rapidamente que um duradouro e intenso.
Ainda mais fascinante é o fato
de podermos ter memória desses
eventos. Essa forma de memória
inconsciente, também conhecida
por efeito de mera exposição (do
inglês mere exposure effect), representa a capacidade de eventos
subliminares anteriores influenciarem uma decisão.
Em um estudo publicado no
"Journal of Neuroscience"
(15.jun.98), Rebecca Elliot e Raymond Dolan, usando tomografia
por emissão de pósitrons (PET,
uma técnica que permite "ver" o
cérebro em funcionamento), demonstraram uma ativação do
córtex pré-frontal lateral direito
associada a essa forma de memória implícita. Outro achado desse
mesmo estudo é o do envolvimento do hipocampo direito,
uma estrutura cerebral crucial para a aquisição de novas informações, na avaliação de um estímulo. Em outras palavras, parece haver um conjunto de áreas cerebrais dedicado a um processamento de estímulos que escapam
à nossa consciência. Além disso,
os resultados apontam para um
processamento desses estímulos
na porção direita do cérebro.
Experimentos mais antigos
-que se iniciaram com o neurologista francês Paul Broca, em
1870, e garantiram o prêmio Nobel a Roger Sperry mais de cem
anos depois- têm confirmado e
detalhado essa questão da lateralidade hemisférica.
Entre os mais interessantes, os
estudos envolvendo pacientes
submetidos à secção do corpo caloso (as fibras que unem os dois
hemisférios cerebrais) para tratamento de epilepsia mais uma vez
remetem o inconsciente ao hemisfério cerebral direito.
Nessas pessoas, o processamento de estímulos sensoriais pode
ser feito, em condições de laboratório, de maneira a ativar exclusivamente só um hemisfério cerebral. Nessas condições, estímulos
supraliminares, como palavras ou
desenhos, são claramente identificados pelo hemisfério esquerdo.
Já os estímulos apresentados para
o hemisfério cerebral direito não
são capazes de desencadear uma
resposta verbal consciente de
identificação.
No entanto, nessas experiências
há formas de demonstrar que esse
estímulo foi reconhecido e processado pelo hemisfério direito.
Assim, simplificando a história, é
como se o processamento efetuado pelo hemisfério cerebral direito nesse caso fosse inconsciente,
ou escapasse à consciência.
Os dados sobre o processamento inconsciente foram recentemente ampliados por um trabalho do neurologista português radicado nos EUA Antonio Damásio. Nesse trabalho, publicado na
"Science" (28.jan.97), ele demonstra, em pessoas com lesão
bilateral do córtex pré-frontal, a
perda da intuição. Para nós, a capacidade de intuir fatos depende
de experiências prévias e, principalmente, como sugere o artigo,
da vivência emocional associada a
essas experiências prévias.
Para o grupo de pacientes com
lesão cerebral do córtex pré-frontal, a capacidade de se guiar, ou
talvez de ter a intuição, estava perdida. No dia-a-dia, isso os levava a
fazer de maneira repetida escolhas inadequadas nos negócios,
nas relações sociais e na vida em
geral. O trabalho demonstra que
nossas decisões são claramente
influenciadas por eventos pregressos e pelas reações emocionais que eles produziram, mesmo
quando não os percebemos.
Longe de significados esotéricos
sobre intuição e inconsciente, a
psicologia, a neurologia e a fisiologia vêm desvendando as bases
desses processamentos cerebrais.
Distante de negar Freud ou Jung,
a ciência moderna parece encontrar uma nova roupagem na qual
inserir os conceitos desses brilhantes visionários. Eles foram capazes de intuir o que hoje nós começamos, talvez, a enxergar.
Luiz Eugênio A. M. Mello é professor de
neurofisiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
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