São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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CIÊNCIA
Estudos procuram esclarecer como o cérebro reage ao estímulo subliminar
Segredos da consciência

LUIZ EUGÊNIO DE A. M. MELLO
especial para a Folha

Praticamente todo mundo já ouviu falar de estímulo subliminar. Quase sempre é citada uma experiência clássica em que, em um filme, eram mostradas, de maneira muito rápida, imperceptível conscientemente (subliminarmente, portanto), imagens ou textos sugerindo que o espectador bebesse determinado refrigerante. Ao fim do filme, sem que soubesse exatamente por quê, grande parte dos espectadores sentia vontade beber o tal refrigerante.
De fato, estímulos visuais muito rápidos, ou auditivos muito baixos, podem não ser perceptíveis, mas ainda assim ser capazes de gerar comportamentos. Obviamente, para provocar reações, os estímulos têm de ter sido processados pelo cérebro.
Assim, no dia-a-dia, reagimos a vários estímulos ambientais, ainda que muitas vezes não tenhamos consciência de todos os estímulos a que somos submetidos.
Com base em estímulos visuais subliminares, um dos pioneiros na área, Howard Shevrin, indicou, há quase 30 anos, possíveis bases para os conceitos freudianos de consciente e inconsciente.
Nesses estudos, pessoas com medo de falar em público eram subliminarmente expostas a palavras associadas a esses medos. Por exemplo, um estudante com medo por não querer parecer desrespeitoso era exposto às palavras "rebelde" e "selvagem".
Quando essas palavras lhe eram mostradas subliminarmente, a atividade elétrica em seu cérebro demorava cerca de 250 milésimos de segundo. Por outro lado, quando essas mesmas palavras eram mostradas de maneira supraliminar, isto é, o voluntário tinha tempo de ler e entender a palavra, a resposta cerebral demorava o dobro do tempo. Com isso, os autores sugeriram que essa maior demora se devia à tentativa de reprimir o conteúdo (as palavras "rebelde" e "selvagem") que seria conflituoso para o indivíduo.
De acordo com essa visão, todos os estímulos seriam primeiro processados em um nível inconsciente. Somente depois de filtrados chegariam à consciência. Pode-se até discordar dessa interpretação, mas é fascinante que um estímulo subliminar, tênue, seja processado mais rapidamente que um duradouro e intenso.
Ainda mais fascinante é o fato de podermos ter memória desses eventos. Essa forma de memória inconsciente, também conhecida por efeito de mera exposição (do inglês mere exposure effect), representa a capacidade de eventos subliminares anteriores influenciarem uma decisão.
Em um estudo publicado no "Journal of Neuroscience" (15.jun.98), Rebecca Elliot e Raymond Dolan, usando tomografia por emissão de pósitrons (PET, uma técnica que permite "ver" o cérebro em funcionamento), demonstraram uma ativação do córtex pré-frontal lateral direito associada a essa forma de memória implícita. Outro achado desse mesmo estudo é o do envolvimento do hipocampo direito, uma estrutura cerebral crucial para a aquisição de novas informações, na avaliação de um estímulo. Em outras palavras, parece haver um conjunto de áreas cerebrais dedicado a um processamento de estímulos que escapam à nossa consciência. Além disso, os resultados apontam para um processamento desses estímulos na porção direita do cérebro.
Experimentos mais antigos -que se iniciaram com o neurologista francês Paul Broca, em 1870, e garantiram o prêmio Nobel a Roger Sperry mais de cem anos depois- têm confirmado e detalhado essa questão da lateralidade hemisférica.
Entre os mais interessantes, os estudos envolvendo pacientes submetidos à secção do corpo caloso (as fibras que unem os dois hemisférios cerebrais) para tratamento de epilepsia mais uma vez remetem o inconsciente ao hemisfério cerebral direito.
Nessas pessoas, o processamento de estímulos sensoriais pode ser feito, em condições de laboratório, de maneira a ativar exclusivamente só um hemisfério cerebral. Nessas condições, estímulos supraliminares, como palavras ou desenhos, são claramente identificados pelo hemisfério esquerdo. Já os estímulos apresentados para o hemisfério cerebral direito não são capazes de desencadear uma resposta verbal consciente de identificação.
No entanto, nessas experiências há formas de demonstrar que esse estímulo foi reconhecido e processado pelo hemisfério direito. Assim, simplificando a história, é como se o processamento efetuado pelo hemisfério cerebral direito nesse caso fosse inconsciente, ou escapasse à consciência.
Os dados sobre o processamento inconsciente foram recentemente ampliados por um trabalho do neurologista português radicado nos EUA Antonio Damásio. Nesse trabalho, publicado na "Science" (28.jan.97), ele demonstra, em pessoas com lesão bilateral do córtex pré-frontal, a perda da intuição. Para nós, a capacidade de intuir fatos depende de experiências prévias e, principalmente, como sugere o artigo, da vivência emocional associada a essas experiências prévias.
Para o grupo de pacientes com lesão cerebral do córtex pré-frontal, a capacidade de se guiar, ou talvez de ter a intuição, estava perdida. No dia-a-dia, isso os levava a fazer de maneira repetida escolhas inadequadas nos negócios, nas relações sociais e na vida em geral. O trabalho demonstra que nossas decisões são claramente influenciadas por eventos pregressos e pelas reações emocionais que eles produziram, mesmo quando não os percebemos.
Longe de significados esotéricos sobre intuição e inconsciente, a psicologia, a neurologia e a fisiologia vêm desvendando as bases desses processamentos cerebrais. Distante de negar Freud ou Jung, a ciência moderna parece encontrar uma nova roupagem na qual inserir os conceitos desses brilhantes visionários. Eles foram capazes de intuir o que hoje nós começamos, talvez, a enxergar.


Luiz Eugênio A. M. Mello é professor de neurofisiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).


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