São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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ANTROPOLOGIA

Genes achados em esqueletos de Pernambuco apóiam tese de que diversidade era maior antes da conquista

DNA revela índios desaparecidos no Brasil

REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA

Um grupo de pesquisadores da UFPA (Universidade Federal do Pará) encontrou uma linhagem de DNA desconhecida nas Américas nos ossos de índios nordestinos que viveram há quase 2.000 anos. O achado indica que a diversidade genética dos nativos americanos foi muito maior antes do descobrimento e pode ajudar a confirmar a hipótese de que povos biologicamente bem distintos colonizaram o continente.
De acordo com a geneticista Ândrea Ribeiro-dos-Santos, 33, do Centro de Ciências Biológicas da UFPA, a linhagem de DNA recém-descoberta só é encontrada hoje no sudeste da China.
"Ela aparece entre os han [principal grupo étnico do país]", afirmou a cientista à Folha durante o 48º Congresso Nacional de Genética, em Águas de Lindóia (interior de São Paulo).
As amostras saíram de nove esqueletos encontrados no abrigo rochoso de Furna do Estrago, em Pernambuco, e têm entre 1.600 e 1.900 anos de idade.
O material genético em questão é o DNA mitocondrial, encontrado nas mitocôndrias (as usinas de energia das células).
Diferentemente da maior parte do material genético humano, que fica no núcleo das células, o DNA mitocondrial não se mistura durante a fecundação. É transmitido fielmente da mãe para os filhos. Por isso, serve como uma espécie de "etiqueta" genética das populações -descendentes de uma mesma mulher o compartilham (veja o quadro abaixo).
No caso dos nativos americanos, até pouco tempo atrás havia quatro grupos identificados desse tipo de DNA, conhecidos como A, B, C e D. Um quinto grupo, o X, aparecia só na América do Norte.
Ribeiro-dos-Santos e seus colegas já haviam mostrado que amostras de DNA mitocondrial de índios amazônicos que viveram de 4.000 a 500 anos atrás continham o grupo X. Nessa análise, feita em 1996, apareceu também uma porcentagem de amostras misteriosas, que não pertenciam a nenhum grupo conhecido.
Com os índios pernambucanos, contudo, além da presença do grupo X, apareceu também um novo grupo. A comparação com outros povos do planeta revelou que se tratava do grupo M, presente na China.
No Brasil, esse grupo poderia ter se perdido após a conquista -que eliminou 95% da população indígena original. A pesquisadora calcula que pelo menos 37% da diversidade genética do DNA mitocondrial das Américas sumiu com a chegada dos europeus.
A descoberta foi comemorada pelo antropólogo Walter Neves, da USP. Ele é o principal defensor de um modelo de povoamento da América que incluiria dois povos de aspecto bem distinto: um com traços que lembram os atuais africanos e australianos e outro com traços mongolóides, que teria dado origem aos índios de hoje.
Medições em crânios americanos com mais de 8.000 anos, entre eles a célebre Luzia (de 11.500 anos), apóiam a tese de Neves. Mas, até agora, os geneticistas não haviam encontrado evidências a favor dela -os índios atuais são geneticamente parecidos e nada levava a crer que pudesse ter sido diferente no passado.
O geneticista de populações Sandro Bonatto, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul, confessou que não acreditava que um novo grupo mitocondrial fosse aparecer.
"Claro que houve perda da diversidade. Mas a gente imaginava que, se uma determinada tribo perdia uma linhagem, seria improvável que a mesma linhagem se perdesse em todas as outras tribos do continente", afirmou Bonatto, co-autor de um estudo recente que usou o DNA mitocondrial para estimar em 20 mil anos a chegada do homem à América.
"Por isso, essa nova linhagem é inesperada, apesar da perda da diversidade. O difícil é dizer qual será o efeito disso na reconstrução do povoamento", afirmou o geneticista gaúcho.


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