São Paulo, sexta-feira, 25 de setembro de 2009

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Vacina anti-HIV atinge 31% de eficácia

Combinação de dois imunizantes que haviam falhado em testes anteriores teve sucesso parcial em teste na Tailândia

Produto ainda não é viável para uso numa campanha de vacinação; resultado do teste "é só o começo" diz infectologista americano


Fotos Associated Press
Pesquisadora manipula dose de vacina em Bancoc

DO "NEW YORK TIMES"

Uma nova vacina contra a Aids, testada em mais de 16 mil voluntários na Tailândia, conseguiu proteger uma minoria significativa deles contra a infecção, diminuindo em 31% o risco de adquirir a doença. É a primeira vez que uma vacina contra o HIV teve algum grau de sucesso, mesmo que parcial, num teste clínico.
Os cientistas se dizem contentes com o resultado, mas também confusos. A vacina é uma combinação de duas imunizações produzidas por engenharia genética, nenhuma das quais tinha funcionado antes em humanos. Ela protegeu um número pequeno demais de pessoas para ser considerada um sucesso completo. E os cientistas não sabem por que a vacina funcionou um pouco.
"Mas não tenho dúvidas de que se trata de um resultado muito importante", diz Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, um dos financiadores do teste clínico. "Faz mais de 20 anos que todas as vacinas [de Aids] foram essencialmente fracassos. Parece que estávamos tateando por um corredor escuro, até que uma porta finalmente se abriu", compara o cientista.
Os resultados do uso da vacina, conhecida como RV 144, foram divulgados ontem na Tailândia pelos parceiros responsáveis pelo teste: o Exército dos EUA, o Ministério da Saúde Pública tailandês, o instituto de Fauci e os donos das patentes das duas "metades" da vacina, a empresa Sanofi-Pasteur e a ONG Global Solutions for Infectious Diseases.
O coronel Jerome Kim, médico que coordena o programa de vacinas de HIV do Exército americano, disse que metade dos 16.402 voluntários receberam seis doses de duas vacinas em 2006, enquanto metade recebeu um placebo (substância inócua). A partir de então, passaram por testes regulares de HIV durante três anos. Dos que receberam placebo, 74 se infectaram, enquanto apenas 51 dos vacinados adquiriram o vírus. Embora a diferença seja pequena, ela é estatisticamente significativa, afirma Kim.
Segundo Fauci, dificilmente um cientista licenciaria uma vacina com eficácia abaixo de 70%. Contudo, "se você tem um produto que pelo menos confere um pouco de proteção, vale a pena examinar as amostras de sangue, descobrir qual resposta foi eficaz e direcionar a pesquisa a partir daí", diz ele.
O aspecto mais confuso do teste, afirma Kim, é que todos os infectados desenvolveram mais ou menos o mesmo nível de vírus em seu sangue, independentemente de ter recebido a vacina ou o placebo.

Sem anticorpos
Normalmente, uma vacina que dá apenas proteção parcial também diminui a carga viral. Por isso, o provável é que a RV 144 não produza anticorpos neutralizadores, como a maioria das vacinas. Tais anticorpos são proteínas que grudam nos vírus, impedindo que eles ataquem as células, e sinalizam ao organismo para destruí-los.
Segundo Fauci, é mais provável que os anticorpos produzidos pelas vacinas se acoplem diretamente a células de defesas do organismo, fortalecendo a ação delas contra o HIV.
Antes do teste na Tailândia, uma das vacinas que compõem a atual imunização, a Aidsvax, tinha previsto um teste de fase 3, o último antes da liberação para uso. O ensaio incluiria até voluntários do Brasil. "Mas aí ela passou por um segundo estudo de fase 2 que falhou, e um terceiro estudo de fase 2 falhou também", conta Esper Kallas, infectologista da USP. "O estudo mundial de fase 3 foi cancelado, mas eles decidiram incluir a vacina nesse estudo na Tailândia. O resultado foi uma surpresa muito grande."

Golpe nos céticos
Segundo Kallas, um dos efeitos do anúncio feito ontem é dar fôlego a cientistas que apostam numa vacina como estratégia. "Muitos acreditam que, por causa da diversidade do vírus e das características da epidemia, não será possível criar uma vacina viável", diz. "Este teste agora é um grande marco porque coloca em cheque o ceticismo de alguns."
Mitchell Warren, diretor-executivo da Coalizão de Defesa de Vacinas para Aids, disse estar entusiasmado. "Sempre falamos sobre a mera possibilidade de uma vacina. Esta não é a imunização que vai acabar com a epidemia, mas é um novo passo fabuloso, que nos conduz numa nova direção", afirmou.
Fauci diz que é preciso continuar refinando os estudos. "Este não é o fim da estrada. É apenas o começo", declarou.

Com Reportagem Local



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