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Projeto ameaça 70% das grutas do país
Decreto em estudo pelo governo federal permite que cavernas sofram "impactos irreversíveis" por atividades econômicas
Proposta foi elaborada após dois anos de pressão dos setores mineral e elétrico,
que vêem nas cavernas
obstáculos a sua expansão
Moacyr Lopes Júnior - 14.mar.2008/Folha Imagem
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Caverna do Morro Preto, em Iporanga, SP
MATHEUS PICHONELLI
THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA
Cerca de 70% das cavernas
do Brasil correm o risco de destruição. Hoje, as 7.300 já identificadas são protegidas por um
decreto assinado em 1990. Nos
próximos dias, o governo federal deve alterar a norma, após
dois anos de pressão de empresas, sobretudo mineradoras e
hidrelétricas, que vêem nas
grutas um empecilho à expansão de seus empreendimentos.
A minuta, enviada na semana
passada para a Casa Civil, autoriza, na prática, que cavernas
que não sejam de "máxima
prioridade" sofram "impactos
negativos irreversíveis".
Isso significa que cavernas
que estejam em outros três novos critérios poderão ser alteradas. Grutas com "alta relevância", por exemplo, poderão
ser destruídas desde que o empreendedor se comprometa a
preservar duas similares.
Para formações com "média
relevância", o projeto prevê a
destruição desde que o responsável pela obra financie ações
que contribuam para a "conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro" -sem especificar quais.
Já cavernas com "baixo grau
de relevância" poderão ser impactadas sem contrapartidas.
O Ministério do Meio Ambiente terá 60 dias para elaborar os critérios de relevância a
partir da aprovação.
O Ibram (Instituto Brasileiro
de Mineração) diz que o novo
decreto trará avanços. "Essa indefinição, que dura anos, afastou investimentos estrangeiros
do país", afirma o presidente do
instituto, Paulo Camillo.
"Há cavernas belíssimas que,
claro, precisam ser preservadas. Mas é preciso criar um sistema para valorar o grau de importância dessas cavernas, porque muitas são inúteis", diz Rinaldo Mancin, diretor de assuntos ambientais do Ibram.
Segundo o Cecav (Centro
Nacional de Estudo, Proteção e
Manejo de Cavernas), do Instituto Chico Mendes, a maior
parte das cavernas mapeadas
no Brasil foi descoberta na última década. O Cecav e a SBE
(Sociedade Brasileira de Espeleologia) estimam que 70% das
cavernas possam ser destruídas
com a nova lei.
Somente na região de Carajás, no Pará, onde atua a Vale,
pesquisadores patrocinados
pela própria companhia descobriram mais de mil cavernas
que, segundo a empresa, impedem a exploração mineral.
A instalação de uma hidrelétrica pelo grupo Votorantim no
vale do Tijuco Alto, em São
Paulo, também enfrenta restrições devido a duas grutas localizadas na área a ser alagada,
450 dolinas (depressões em
terrenos calcários) e outras 52
grutas e abismos na área de influência direta do projeto.
Para o secretário-executivo
da SBE, Marcelo Rasteiro, o
projeto, como foi apresentado,
é "nefasto". Ele diz que a importância das cavernas não pode ser medida facilmente.
Livro para o passado
"Essas cavernas guardam registros do passado, trazem informações nos campos paleontológico, arqueológico, biológico e geológico. Cada uma é como um livro. A partir de alguns
estudos, por exemplo, foi possível descobrir se chovia mais ou
menos na região em determinado período. Isso é uma chave
para entender questões como o
aquecimento global."
Rasteiro diz ainda que a análise sobre a importância de cavernas deverá ser feita por consultores ambientais pagos pelas empresas, o que pode gerar
pressão para laudos favoráveis
ao interesse econômico.
"Não há nenhum indício de
que as cavernas estejam atrapalhando qualquer setor da
economia brasileira. O setor
mineral tem aumentado sua
produção a cada ano."
Segundo Rita de Cássia Surrage, do Cecav, o órgão participou dos estudos com os ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia nos últimos dois
anos, mas suas sugestões foram
ignoradas no projeto final.
"Eles querem algo fácil de fazer. Dizem que nossas sugestões eram complexas. Mas não
dá para entrar em uma caverna,
sair e avaliar na hora. Estudos
são necessários. Vai acabar na
mão dos Estados a decisão de
definir quais vão poder ser impactadas, sem critério algum."
Licenciamento
A Votorantim diz que na
construção da hidrelétrica no
interior de SP as grutas que serão submersas são "pequenas e
pouco expressivas".
Já a Vale afirma que não revela seu estudo sobre cavernas
em razão de "questões estratégicas" e nem comenta a possibilidade de destruição.
Segundo o Ministério do
Meio Ambiente, o que importa
é que as cavernas realmente
importantes sejam "conservadas e valorizadas". "Tudo está
sendo discutido. Essa nova norma não significa que tudo será
destruído", diz a secretária de
Biodiversidades e Florestas,
Maria Cecília Wey de Brito.
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