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Dawkins caça-níqueis
Defensor mais ferrenho da teoria evolutiva usa pretexto de convencer criacionistas para explicar o darwinismo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Depois de passar
anos negando o
Holocausto, o presidente do Irã,
Mahmoud Ahmadinejad, muda-se para Nova
York e inaugura um instituto
de estudos históricos. Mesmo
que suas aulas não discutam a
2ª Guerra, quantos judeus se
inscreveriam nelas?
Uma situação análoga a esse
caso hipotético se aplica a Richard Dawkins e seu recém-lançado livro "The Greatest
Show on Earth" ("O Maior Espetáculo da Terra").
O biólogo britânico tem sido
o mais célebre paladino do
ateísmo e militante anticriacionista dos últimos anos. Sua
obra anterior dedica-se a tentar provar que Deus não existe,
tratando os religiosos como
imbecis e imputando à ciência
-e em particular à evolução
darwinista- o papel de "força
conscientizadora".
Agora, Dawkins escreve este
outro livro, cujo subtítulo é "As
Evidências em Favor da Evolução", para argumentar por que
o darwinismo é um fato. Seu
objetivo declarado é converter
os "negadores da história", como ele chama os criacionistas,
à verdade da evolução, e municiar gente racional para argumentar contra o criacionismo.
Mas, como os judeus de Ahmadinejad, que criacionista
compraria um livro que defende a evolução, ainda mais escrito por Richard Dawkins? Talvez o autor pudesse ir direto ao
ponto e confessar que escreveu
"The Greatest Show on Earth"
só para tirar uma casquinha
das efemérides darwinistas de
2009. Este ano, que marca o bicentenário de nascimento de
Charles Darwin e os 150 anos
de "A Origem das Espécies",
testemunhou uma explosão
cambriana de títulos sobre evolução. Só faltava este.
Aos idiotas como eu, que caíram nesse conto-do-vigário,
um consolo: o livro é excelente.
Já seria excelente se fosse só
pela prosa sedutora de Dawkins, capaz de comparar o desenvolvimento embrionário a
origamis e de deixar o leitor
emocionado com a descrição
de um celacanto. Mas Dawkins
faz mais: ele carrega o leitor,
não pela mão, mas no colo, por
um passeio extremamente didático por 150 anos de evidências em favor do darwinismo.
E as evidências são tantas,
vindas de tantas disciplinas
científicas diferentes, que é fácil se perder no meio delas.
"The Greatest Show on Earth"
evita que isso aconteça.
Dawkins começa esclarecendo uma das principais confusões terminológicas em torno
da evolução: a palavra "teoria".
A maneira como ele derruba
essa pedra angular do criacionismo ("o darwinismo é só
uma teoria") é elegante: buscando a definição de "teoria"
no dicionário e mostrando como ela se confunde com a definição de "fato". O cientista usa
o termo para fatos observáveis,
como a "teoria" da evolução de
Darwin e a "teoria" de que a
Terra gira em volta do Sol.
Em seguida, dá início ao espetáculo propriamente dito.
Ele recorre à mesma estratégia
usada por Darwin na "Origem":
fala antes de plantas e animais
domésticos e do poder da seleção humana de causar grandes
mudanças em espécies (produzindo vegetais tão diferentes
quanto brócoli e repolho a partir do mesmo ancestral selvagem) em pouco tempo.
Só depois de ter a certeza de
que qualquer criança (ou criacionista) entenderia os conceitos apresentados é que o autor
passa à seleção natural propriamente dita. Emulando
Darwin mais uma vez, Dawkins
desanda a falar de abelhas e orquídeas -às quais o pai da evolução dedicou um livro inteiro.
Fixado no leitor o essencial,
Dawkins passa a desfiar seu estonteante conjunto de fatos
evolutivos. Ao mesmo tempo,
vai aplicando um "jab" após o
outro nos principais argumentos do criacionismo e de sua
nova roupagem, o design inteligente. Narra um minucioso experimento feito pelo microbiologista americano Richard
Lenski para mostrar que a seleção natural pode introduzir informações novas no genoma
(criar complexidade, algo que
os devotos do design dizem ser
impossível). Expõe uma miríade de fósseis para destruir a
chicana retórica do "não há
fósseis intermediários".
Perguntas erradas
Mais do que responder às críticas dos criacionistas à evolução, Dawkins explica por que
quase todas elas partem de perguntas erradas. É o caso de um
diálogo imortal (e hilário) que
ele reproduz entre uma criacionista e o evolucionista britânico J. B. S. Haldane. A mulher
diz a Haldane que simplesmente não podia acreditar que,
mesmo em bilhões de anos, se
pudesse "ir de uma célula única
a um complicado corpo humano". Haldane retruca: "Mas,
madame, a sra. mesma fez isso.
E em apenas nove meses".
Ao longo das mais de 400 páginas do livro, Dawkins faz
mais do que ensinar evolução:
ele inspira em seus leitores um
encantamento pelo mundo natural que só pode ser plenamente saboreado por uma
compreensão da biologia.
Idiotas que caiam nesse conto-do-vigário terminarão o livro agradecidos a Dawkins por
compartilhar tal encantamento. E com uma imensa pena dos
criacionistas, que jamais chegarão a apreender a grandeza
dessa visão da vida.
LIVRO - "The Greatest Show on
Earth - The Evidence for Evolution"
("O Maior Espetáculo da Terra - As
Evidências em Favor da Evolução")
de Richard Dawkins; Free Press,
470 págs., US$ 16
Avaliação: ótimo
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