São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2007

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Questão de perspectiva

Para cientistas rivais, o debate sobre a origem do homem moderno vai acabar logo, com o avanço da estatística e a publicação de dados de DNA

Tim White
Homo sapiens "idaltu" mostrado de diferentes ângulos


RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Uma das feridas abertas da comunidade de antropólogos que estuda a origem da humanidade pode estar prestes a ser fechada. A espécie humana moderna, afinal de contas, surgiu mesmo apenas na África? Um consenso sobre a questão pode sair nos próximos anos -seja para o sim ou para o não-, dizem dois defensores de teorias com conclusões opostas sobre a questão.
Até o fim do século passado, tudo parecia levar a crer que o Homo sapiens tivesse surgido em algum ponto abaixo do Saara, cerca de 100 mil anos atrás, e só depois tivesse colonizado o mundo, já plenamente formado. Com a consolidação da tecnologia que permitiu seqüenciar o genoma de populações humanas, em 2001, porém, vieram mais dúvidas do que confirmações.
No ano seguinte, estudos sobre a variação genética entre grupos de diferentes regiões indicavam outro cenário. Análises pioneiras do estatístico Alan Templeton, da Universidade Washington, em St. Louis (EUA), indicaram que uma única grande diáspora não poderia explicar como os humanos modernos colonizaram o mundo. Para ele, haveria sinais claros no DNA de que nossa espécie teria evoluído pela miscigenação entre vários hominídeos de linhagens extintas, como o Homo erectus- desde 1,9 milhão de anos atrás.
Mesmo tendo criado controvérsia, Templeton só foi receber o troco em outubro passado, quando o geneticista Laurent Excoffier, da Universidade de Berna, publicou um estudo sobre uma série de amostras de DNA coletadas mundo afora com a finalidade específica de estudar a origem humana.
Trabalhando com os brasileiros Sandro Bonatto e Nelson Fagundes, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Excoffier defende que a hipótese de miscigenação é improvável. O Homo sapiens teria colonizado a Ásia e a Europa "despejando" os seus primos mais próximos aonde quer que chegasse.

Acerto de contas
Templeton e Excoffier estiveram juntos no início do mês em Porto Alegre para o 1º Workshop de Evolução Biológica e expuseram seus trabalhos. Diplomaticamente, discutiram por que seus métodos estariam levando a conclusões tão distintas, mas ninguém arredou pé. O único consenso atingido foi o de que a resposta deve estar próxima.
Excoffier, criticado pelo rival por ter "simplificado demais" seus modelos (programas de computador para simular a variação no DNA) na hora de levar em conta o deslocamento geográfico, disse que essa falta será superada. "Esperamos conseguir incorporar essa fonte extra de realismo aos nossos modelos e poderemos usar mais dados, mais indivíduos."
Já Templeton foi questionado por ter baseado seu trabalho em dados de seqüências de DNA obtidos por outros cientistas, para outros fins. Tendo reunido poucos dados processáveis, o cientista diz que sua hipótese -a alegada prova de que humanos modernos tiveram "algum grau" de miscigenação com outros hominídeos- também ganhará força.
"O maior aprimoramento que antevejo é mesmo o dos dados, simplesmente", diz o americano. "Quando analisei isso pela primeira vez, em 2002, só havia dez regiões do genoma seqüenciadas adequadamente para esse fim em amostras colhidas ao redor do globo. Quando reconfirmei a análise, em 2005, achei na literatura 25 regiões, e o número continuou crescendo depois disso."
Enquanto o estatístico espera a salvação na genética, e o geneticista tenta aprimorar sua estatística, resta esperar pela próxima rodada do jogo. Sem uma resposta cabal, os cientistas se defendem reconhecendo suas limitações.
"Não estamos dizendo que nunca ocorreu miscigenação, mas se houve foi muito limitada", diz Excoffier. Segundo seu trabalho, há menos de 1% de probabilidade de a mistura de DNA ter deixado algum vestígio detectável. "A miscigenação certamente teve um limite, mas não foi algo tão pequeno assim", diz Templeton.


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