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+ Marcelo Leite
Pela pesquisa com embriões
As tais células pluripotentes induzidas ainda não passam de uma promessa
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Os leitores que acompanham
esta coluna há algum tempo
sabem das ressalvas já feitas
aqui ao exagero em torno da pesquisa
com células-tronco embrionárias humanas. A implicância se dirigia acima
de tudo contra a tendência dos defensores da pesquisa com embriões a
contrapor argumentos morais ou religiosos com um valor ético dado como
mais alto e mais válido, o benefício terapêutico da técnica.
Muitos se lembrarão das caravanas
em cadeiras de rodas levadas ao Congresso para apoiar uma Lei de Biossegurança que permitisse o uso em pesquisa de embriões que sobram nas clínicas de fertilização. Era como se estivessem quase à mão, graças às miraculosas células-tronco embrionárias,
as curas para coisas terríveis como
Parkinson, diabetes, distrofias musculares, lesões de medula e Alzheimer.
Alzheimer? Eis aí uma boa prova de
exagero. Todas as outras condições
mencionadas no parágrafo anterior
são problemas localizados, que poderiam ser eventualmente tratados com
terapias celulares -se e quando existirem. Pesquisadores menos afeitos à
retórica desenfreada sempre tomam o
cuidado de excluir Alzheimer do rol,
porque esse mal disseminado pelo cérebro seria bem mais difícil de tratar
por essa via.
Ora, não estando disponível na prática, o benefício apenas esperado (ou
prometido) não pode a rigor ser contraposto à destruição real de embriões
"de carne e osso", percebida como repugnante ou intolerável por muitos
(por motivos particulares, que não podem e não devem ser universalizados
na legislação). Nesse plano, a discussão parecia ser insolúvel, sem saída.
Esse tipo de reflexão, da perspectiva
dos defensores da pesquisa com embriões, era visto como um apoio ao
campo adversário. Não era, claro. Tratava-se sobretudo de um chamado para aperfeiçoar os argumentos.
O que faltava era abandonar certo
hábito de manipulação de sentimentos e esperanças que não diferia muito, em essência, da perspectiva oposta, em geral carola, sentimentalista até.
Esta, por seu lado, identificava blastocistos (embriões de quatro ou cinco
dias, com uma centena de células)
com pessoas plenas, ou seja, seres dotados da série completa de direitos
que cabe a todos nós, o que constitui
outro gênero de exagero.
Pois bem: nesta semana que passou
o mundo foi surpreendido com a notícia de que pesquisadores no Japão e
nos Estados Unidos conseguiram obter células-tronco similares às embrionárias sem destruição de embriões. Os conservadores correram a
considerar-se por vingados, dando
por provada a inutilidade da pesquisa
com embriões. Cabe agora contradizê-los e dizer, com firmeza, que deveriam ir mais devagar com o andor.
Assim como as células-tronco embrionárias, as tais células pluripotentes induzidas criadas por americanos e japoneses ainda não passam de uma
promessa. Por ora está certo só que
elas parecem comportar-se como as
suas primas embrionárias, mas não há
certeza de que carreguem o mesmo
potencial terapêutico -teórico, repita-se. Ambos os tipos celulares podem
comportar riscos, ainda por avaliar,
capazes de inviabilizar seu uso em tratamentos.
Um desses riscos está na tendência
dessas células para a proliferação. Se
essa inclinação não puder ser controlada, o sonho da terapia celular estaria
numa fronteira muito tênue com o pesadelo do câncer.
Por essas e por outras, não há a menor razão pragmática para interromper a pesquisa com embriões. Nem
para continuar a fazer dela a panacéia
que nunca foi.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Clones Demais" e "O Resgate
das Cobaias", da série de ficção infanto-juvenil Ciência em
Dia (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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